sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Conto - Constrangimento


Jeans surrada e camisa de botão mal passada, de cor pouco sóbria, dão o alarme de minha presença naquele lugar requintado. Do chão ao teto é um luxo. Até as poltronas que acomodam homens encapados com paletós de corte! Nunca vi igual nas casas da vizinhança de onde eu moro.

Mulheres lindas exibem sorrisos aos presentes. E que riso! De lábios brilhantes e avermelhados. Delicadamente abertos, contrastam com os dentes brancos devidamente enfileirados. Nada parecidos com os meus, tortos, escurecidos, desgastados e quando refeitos, relaxadamente moldados.

Nem me perguntem como vim parar aqui. Sou serviço geral de uma empresa e de repente me vi com a tarefa de entregar uma correspondência de urgência. Para quem e onde? Lá na vernissage de uma exposição. Mas assim, mal vestido? Claro, sua função é procurar um recepcionista na entrada e pedir para chamar fulano. Mas entrega pessoalmente, espera o fulano chegar até você.

Certo. O que mandarem eu faço. Chego no local e já na entrada recebo olhares de reprovação. Estou maltrapilho diante daquela gente, mas sou limpo e não fedo. Mas as pessoas me encaram. Se tenho que fazer, faço. Não acho um recepcionista, recorro a um garçom. Ele me diz que a bebida é só para os convidados. Tento retrucar, ele me dá as costas e se vai.

E as pessoas me olham. Chego a me sentir despido de tantos olhares de censura. Sou tão feio assim? E aquela moça? Parece mais simples, embora dentro de um conjunto de cor escura. Ela deve me ajudar. Apresso os passos, quero me ver longe dali o quanto antes. E ela escapa para dentro de um reservado feminino.

Então, na volta que dou para fazer o retorno dou de cara com o meu chefe, a pessoa que deve receber a correspondência. Está acompanhado por uma bela dama que não tem nada a ver com a Ednalva, a secretária executiva da firma com quem ele se casou. A Ednalva virou patroa, mas os laços de coleguismo com os empregados ela conseguiu manter. Essa que está com o patrão me fuzila com os olhos. E ele me puxa pelos braços até o corredor. Levo bronca e sou ameaçado de demissão. Agora eu fico nessa agonia. Devo ir ao trabalho amanhã?


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