segunda-feira, 23 de julho de 2012

Crônica - Vento, frio e medo

Venta e faz frio nesta noite de julho. Fosse apenas pela sensação de gelo fora da coberta eu me levantaria para conferir a janela da cozinha. O que sinto, porém, é medo. Muito medo.

É uma janela de tábuas. Sem trinco de metal e nenhum cadeado, ela é presa por uma taramela de madeira, fixado com um prego. Há tempos ela gira com facilidade. Nas tardes de sol, enquanto se espera a fervura da água do café no fogão a lenha, feito de cimento, brinca-se batendo com os dedos em uma de suas quinas para fazê-la girar, feito uma hélice de avião. Ou um ventilador, já que não temos um em casa embora a necessidade de mamãe seja a de tê-lo para aliviar o calor diante da máquina de costura.

As tábuas da janela são presas por duas dobradiças. São quatro madeiras presas com duas ripas, uma em cima e outra abaixo, também com pregos que enferrujaram com o tempo. O peso faz com que o conjunto saia do esquadro constantemente. Às vezes a janela não fecha, outras vezes, quando precariamente consertada, joga nos cantos e fica frouxa. A parede que a sustenta nem batente dispõe. É, na verdade, apenas um corte, um buraco aberto para existir naquele lugar uma janela.

As dobradiças, aliás, estão precárias. Já me referi a elas linhas atrás, mas evitei detalhes do estado em que se encontram. Enferrujadas, tortas e presas com arame, porque de tanto tempo que a casa existe nem os parafusos se sustentam nas madeiras.

Mas não é disso que tenho medo. Os arame estão seguros e a fresta que mostra o lado de fora, por falha na junção das tábuas e o envelhecimento da mata junta já nem me preocupam.

Tenho medo que o vento bata na janela, aproveite-se da folga e faça a taramela girar. Se isso acontecer a janela se abrirá. Mas não é o vento que poderá invadir a casa que me dá medo. Tenho medo dos monstros que mamãe me disse, invadem as casas precárias para roubar coisas que estão dentro delas.

Temos muito pouco em casa, é verdade. O que é meu está num canto da cozinha, atrás da porta que também é de madeira, tem frestas e dobradiças precárias. Mas a porta tem um trinco de metal, diferente da janela que só é presa com a taramela. Guardo naquele lugar um vidro com bolas de vidro, uma pipa que montei ontem à tarde e a linha enrolada numa lata de óleo. É pouco, mas é meu.

Também se me levarem só isso quando alguém entrar pela janela dou-me por conformado. Só não quero que o monstro leve minha mãe e minhas três irmãs. Porque se o monstro fizer isso ficarei sozinho e não terei mais motivo para ficar naquela casa.

Faz tanto tempo que morei lá. Mas ainda sonho com ela em noite de vento, frio, janela batendo e muito medo. Mamãe foi para o céu, tenho certeza disso. E é ela que vem me despertar dos pesadelos de agora que são freqüentes. Sinto calafrios.


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