terça-feira, 24 de julho de 2012

Conto - Catapultas

Bolas de fogo cruzavam os céus em trajetórias certeiras lá distante, onde inimigos caiam em chamas. Do primeiro ao último disparo os ponteiros do relógio avançavam preguiçosos e lentos. Irritantes, teimavam no tic que retrucava no tac. Sem parar, por segundos, minutos e horas, marcando o tempo esquizofrênico de uma guerra invisível.

Nenhum estrondo se ouvia e nunca uma labareda clareou a pequena sala. Mas seu ocupante, solitário, guerreava contra si próprio empunhando de espadas a rifles. Ele também tinha uma catapulta que jamais alguém que ousou participar de alguma batalha enxergou. É dela que saiam os pesados artefatos em chamas. Atravessavam os vãos das janelas e nunca eram desperdiçados. Fulminantes, descartavam a possibilidade de sobreviventes.

Oitenta e poucos anos. Diziam dele os familiares que o idoso fazia agora a guerra da qual ele nunca foi. Nem sabiam, porém, se em algum momento da vida o velho quis estar numa batalha. Mais por conformismo, nunca por razão, achavam que aquilo era normal: conflitos imaginários como nos anos da infância, quando pedaços de madeira faziam as armas cujos estampidos saiam da boca. Com voz fina pareciam revólveres de pouco calibre. Na voz grossa eram mortais. Com fôlego viravam metralhadoras. No cansaço das correrias eram apenas disparos sem repetição.

Amigos também entravam nas lutas. Sim, apenas os amigos, poucos, porque os que apenas o conheciam de uma conversa ou outra evitavam combates. Difícil armar uma catapulta invisível com bolas que não podiam ser tocadas. Sabia-se apenas que pesavam e muito, a ponto de obrigar quem se atrevesse a pegá-las a um esforço incomum. E o velho queria guerra, com a ajuda de quem quer que fosse a entrar naquela sala. Os inimigos, afinal, existiam. Ficavam além da janela. E não dar combate a eles era aceitar provocações que o incomodavam.

Maldita esquizofrenia. Quais eram os aliados? De que tamanho era o exército contrário? Houve quem dissesse que foram tantas as guerras enfrentadas pelo idoso até chegar aos seus oitenta e poucos anos. A guerra contra o desemprego em alguns momentos da vida. A guerra para educar os filhos. A guerra para pagar a prestação da casa. A guerra para conquistar os genros e as noras. A guerra para ter o carinho dos netos. Tantas guerras, como esta de agora na sala da casa que ele comprou, pagou e agora faz dela o seu campo de batalha.



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