quarta-feira, 4 de julho de 2012

Conto - Três ruas abaixo, sempre reto

Daqui é perto, quase um pulo só. Faz mais de vinte anos e não passo lá. Tenho medo de recaída e sei que não vou me aguentar. Se isso acontecer a dor é tamanha. Bate um martelo grande na cabeça do prego espetado no coração. Nem sangra, apenas fura e dói cada vez lá no fundo onde não se pode tocar.

É de mexer com a respiração. Lateja e o ar rareia. Dá pontadas e pensa-se que é o fim. Não tem remédio que cure. É segurar do jeito que der, trancar os dentes e fechar os olhos pra ver se estanca. Careta a gente faz, impossível ter cara boa com choro espirrando como se fosse bombeado da alma.

O andar é meio tonto. É porque a gente baqueia de vez. As pernas pesam, os braços nem forças tem para movimentar. Cada passo é um sacrifício. E se vai empurrado por impulso que não se sabe de onde vem. Mistério que não se entende: a gente quer ir adiante e parece que alguém empurra pra trás. Sempre assim, até na hora que a gente se vira e tenta mudar direção. E a força agora é do outro lado e leva a gente pra trás. Então não se sai do lugar.

Ali tinha uma casinha verde clara, de madeira, emoldurada por ramas de maracujá nas cercas de ambos os lados. Maracujá doce, que hoje é raridade nas feiras e no bom comércio deste lugar. Partia-se a fruta com canivete e bastava a vontade para chupar até deixar só a casca. E partia-se outra, mais outra e tantas outras até se saciar. Havia fartura, por que economizar? A fruta dava abundante e ninguém temia engordar.

Eu era um dos meninos da casa do maracujá. Brinquei muito no quintal e levei tombos do pé de manga rosa nos fundos depois dos varais. Ah se fiz travessuras, quantas mamonas usei para atirar na vizinha do lado de lá. Soltei pipa, levantei balão feito de jornal. Armei arapuca e colecionei aranhas caçadas nos buracos atrás da moita de cana rente ao pé de limão. Corri por ali atrás de vagalumes.

Só sei que um dia fui estudar. Voltei e só achei cinzas. A casa verde se foi comida por fogo que alguém botou no lugar. Disseram que foi arte de menino acostumado a aprontar. E eu que não fiz nada fiquei só. Penso que ainda me olham como se eu tivesse feito o fogo se espalhar. Por isso não passo lá. Faz vinte e poucos anos que não sei o que sobrou no lugar.


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