terça-feira, 3 de julho de 2012

Conto - Maquiagem

Acendeu em Ludovico a vontade de ser político. Porque diziam dele ser um homem de palavra. Ludovico falava pouco, mas quando articulava substantivos e verbos o objeto era sempre direto.

Homem simples, antes da intenção acesa vestia do jeito que se sentia bem: calças largas entre o social e o esportivo, camisa de tecido mole e leve e, nos pés, invariavelmente as tradicionais meias sociais pretas para proteger a pela das costuras dos tênis de pano.

Então recomendaram sapatos sociais. Se não fossem de couro que imitasse. Se os cadarços incomodam que sejam no meio termo, de calçar sem ter que se agachar. E camisa por dentro para evitar impressão de desleixo. Os cabelos, quando compridos, ajeitados com goma e penteados por trás das orelhas. Barba feita para parecer mais jovem.

E mais. Muito mais. No andar ombros levantados. Nada de abaixar a cabeça ao cumprimentar as pessoas. Olho no olho para conversar. E o conteúdo devia ser medido: sem brincadeiras sobre raça, gênero, altura, peso e preferência futebolística. Mais ouvir do que falar. Nunca ter pressa para dar uma resposta. Gesticular menos e abandonar de vez a mania de coçar a testa com a ponta do indicador sempre que indagado sobre alguma coisa.

Mais ainda. Muito mais ainda. Ludovico? Será que esse nome pega? Uns diziam que por ser fora de mora atrapalha. Outro defendiam: é um nome incomum hoje em dia e inspira confiança. Na verdade ninguém tinha razão. Por ele sairia Ludovico mesmo. Mas inventaram de abreviar. Como? Ludo? Luvi? Luco? Dovi? Doco? Vico? Vilu? Vido? Colu? Codo? Covi? Nada combinava.

Então ele decidiu, finalmente, fazer valer o seu jeito: “Nasci Ludovico, casei Ludovico, criei meus filhos Ludovico e vou sair candidato Ludovico”. Falou pausado, como sempre, sem se exaltar mas também com naturalidade, o que deu à frase um tom autêntico.

Depois disso, já em campanha, voltou ao tênis e a camisa balançou livre fora do cós das calças. Os cabelos cresceram sem gomalina e a barba marcou o rosto. Sentiu-se feliz por ser ele mesmo e nem se abalou com o resultado das eleições. Teve lá uns setenta votos.


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