terça-feira, 10 de julho de 2012

Conto - O dono da bola

Fui eu que me fiz. E me vejo completo. Sou patrão e me sobra bom saldo na conta. Troco de carro quando tiver vontade. Alugo, compro, desfaço e negocio nem sempre por ser preciso. Às vezes é por prazer e mesmo assim venço e derroto.

Eu mando. Em casa, no trabalho, na escola dos meus filhos, no frentista do posto de combustível, nos políticos, na igreja, na polícia, no promotor e no juiz.

Eu determino. Quando e onde a minha foto é publicada na coluna social. Eu exijo. O pagamento em espécie das comissões a que tenho direito das negociações que acerto com os políticos.

Eu sou o dono. Do jogo de camisas e da bola do time que é meu. Eu escalo a equipe, eu estabeleço as regras do jogo, eu obrigo o árbitro a engolir o apito, eu faço e aconteço. E nunca será diferente.

Eu boto medo no diretor da faculdade e amordaço os professores. Eu calo a boca do apresentador da tevê. Eu banco o conforto do diretor do sindicato. Eu digo o que a situação deve fazer. Eu patrocino os coquetéis da oposição. Jamais será de outro jeito.

Se eu bronqueio todos acatam. Em casa, no trabalho, na sessão da câmara, na redação do jornal, na assembléia do clube de serviço, na reunião do condomínio, nas confrarias, nas convenções dos partidos. Sou forte a qualquer hora. Sou superior onde quer que seja.

Se não tenho amigos eu nem ligo. Compro companhia e se me dói a alma remendo com curativo e cicatrizo feridas que a solidão abre. Eu sou o dono da bola de vidro que nada vale. Eu faço as pessoas que me cercam dependerem de mim. Eu pago a todos, pouco ou nada, só pelo prazer de vê-los cuidar de uma bola de vidro.

Se ela cair estilhaça. Eu continuo inteiro. E mando, compro, desmantelo, banco, financio, exijo e determino. Eu sou o poder. Absoluto e intocável. Nem percebo o seu olhar de desprezo. Ignoro o silêncio que se faz quando chego.



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