segunda-feira, 9 de julho de 2012

Conto - O guardião

Cuido da bola de vidro o dia todo. Delegaram a mim esta missão. Dizem que é tarefa nobre. Só quem é íntegro merece nomeação para tal. Cuidar para que ninguém a toque. Zelar e impedir que a poeira do ar a manche. Permitir que ela se faça com suas luzes de cores alternadas. Agora é azul, depois acende o vermelho e chega o amarelo, o verde, o violeta, o mais escuro, o mais clarinho.

E se me perguntarem para que servem a bola, as luzes e as suas cores serei obrigado a confessar: ignoro. Só domino que se me pagam para cuidar é porque elas tem serventia. Recebo nem tanto assim. Dá um salário e meio, pouco menos, pouco mais. Explicaram que o que me sustenta não é o dinheiro. É a responsabilidade de cuidar da bola de vidro. Então parece ser um trabalho que enobrece, repito que isso eles deixaram claro.

Fico de pé, nem ouso sentar na cadeira a uns quatro passos da mesa onde a bola está. Às vezes entra um inseto e o meu trabalho é evitar que ele pouse naquilo que eu cuido. Mosquito nenhum vai manchar a minha referência. A bola de vidro é dos grandes aqui da empresa. Presidente e diretores, um monte. Além de outro tanto que é gente de confiança. Então, se eu sou o responsável pela segurança da bola, também sou de confiança.

À noite, em casa, eu nem durmo direito. Fico pensando na bola. E se eu chegar amanhã no serviço e a bola estiver quebrada? Dá até pesadelo. É, já sonhei com ela aos cacos, suja e sem brilho, com as luzes apagadas e as cores foscas. Perderia toda a confiança que depositam em mim. Certo que ganho pouco, mas tenho uma missão nobre a cumprir.

Alguns riem de mim. Tem gente que ri de frente, outros riem por trás. Nem ligo. Até de bobo da corte me chamam. Acham que a bola é nada e o serviço que me deram é só para me manter ocupado. Nem ligo. Isso é intriga, coisa de invejosos. Eu, que já servi tanto a empresa e aos seus grandes jamais seria enganado.

Nem me passa pela cabeça que me fariam de tonto. Aqui eu já testemunhei contra ex-empregado encrenqueiro, fiz entrega de flores e presentes para amantes, assinei documento sem saber o que estava escrito e pus, nisso e muito mais, as minhas mãos no fogo por esta gente graúda. Até menti quando preciso. Nem me passa pela cabeça...


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