quinta-feira, 12 de julho de 2012

Conto - Identidade carimbada

Eu quero sair candidato a vereador usando um nome popular: Cebola. Então me disseram que eu não tenho nada a ver. Não sou feirante e nem dono de quitanda. Não planto e nem colho. Gosto, mas isso não significa que eu me identifico com a causa de quem planta, colhe, vende ou prepara nos restaurantes.

Recomendaram: tem que ser algo forte, que o leitor ouve ou lê e enxerga a sua cara. Pensei e muito. Gastei duas madrugadas e um dia fervendo o cérebro. E não é que foi justo na hora de lavar o rosto que me veio a idéia? Juba de Leão.

Por que? Simples, mas convincente. Sou loiro e tenho os cabelos lisos e longos. Repartidos no meio e caindo pelos lados da testa eles lembram um leão, que é forte, temido e rei. Chato é que puseram obstáculo: leão é prepotente e político tem que ser moderado em público; rei nenhum faz alguma coisa. E pense nas criancinhas, filhos dos eleitores. Vão influenciar os pais a não votarem num bicho brabo.

Viram como é? Muito complicado. Sugeriram Coxinha da Nona! Eu heim? O que é vão pensar de mim. Outro veio com a idéia de Beto da Mandioca! E quando é que eu trabalhei com mandioca? Nunca. E tem os dois sentidos: mandioca porque é grande ou mandioca porque gosta do produto? Fiz de conta que não era comigo.

Tem um vizinho lá da rua que é um cara de muito bom senso. Meio sabidão, ele gosta de falar pausado, sem atropelar as palavras, enquanto a galera se cala para ouvi-lo. É certo que ele tem fama de assediar as casadas do bairro, mas na circunstância nada tem a ver.

Esse camarada despontou na esquina, durante uma conversa de troca de idéias, como uma luva feita de encomenda. “O que você faz da vida, Beto? Joga, canta mulhereda, enrola no serviço, faz compra de supermercado, engata a marcha com a patroa, dá ré para encostar no veículo de quem está atrás, assovia, chupa cana ou, enfim? Aliás, sua patroa tem muito apelo. Quem sabe usando o que ela tem de forte?”

Pergunta longa e demorada. Bem, jogar hoje em dia não posso. Só vez ou outra na mega, mas futebol já era. Cantar mulherada de que jeito? Estou com uma falha na arcada superior e bem na frente. Se eu falo tenho que tapar a boca senão a pessoa enxerga a banguela. Enrolar no serviço? Isso é ofensa. Sou cabo eleitoral de carteirinha e sempre dei duro para eleger pouca bosta. Agora é a minha vez. Saio candidato. E com a patroa faz tempo que eu não mexo no câmbio porque ela se diz cansada noite após noite. Sei lá o que cansa a minha mulher nessas reuniões diárias da igreja...

“Então é isso. Usa Betão da Lanchonete. E acrescenta um slogam, uma frase de efeito: “O que eu preparo o povo come...” Sinceramente? Eu não entendi. O que ele está insinuando? E para completar chegou um outro que pegou a rabeira da conversa e disse: “Pode também usar Betão Cara de Alce. Isso tem peso porque vão lembrar de você na hora”.


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