segunda-feira, 16 de julho de 2012

Conto - Estações dos anos

(publicado no livro Painel 2012 de Novos Autores Brasileiros - Câmara Brasileira de Jovens Escritores)


Um dia ele pediu um pão e um gole de café. Ela preparou uma bandeja farta: pão, café, leite, manteiga, suco e frutas.

Mal começava o verão e nas rebeldias do clima, que na primavera trouxe frio de inverno, cabia também pedir um agasalho. Ela se ofereceu com um abraço.


Passou o verão e estendeu seu destempero ao outono. Quente, de mormaço, suor e garganta seca. Ele pediu um alívio e ela respondeu com um beijo.


O inverno surpreendeu com afagos. A primavera aprofundou as carícias. O outono revelou peitos arfantes. O verão foi de paixão e nem o sol quente foi tortura.


Fez-se então outro outono que de novo chamou o inverno, que preparou como pode o tempo que seria a primavera, que previu desde muito cedo o clima que viria no verão.


Ele pediu mais uma bandeja farta. Ela nem o pão trouxe. E foi assim até a mudança da estação, quando ele cobrou um abraço e ela negou as mãos. 


O período quente chegou muito antes do verão, ainda na primavera, justo no dia em que ele quis um beijo para acalmar a sede de amor. Se ao menos com água ela retribuísse...


Afagos, carícias, arfar do peito, sussurros, gemidos e paixão passaram a compor uma lista de desejos que ele manifestava sem tanta convicção de merecer. Ela retrucava com desprezo.


Foram-se mais quatro estações. Tampouco piedade sobrava naquela relação. As cobranças dele deixaram de ser feitas. Ela, tão perto, colocava-se distante.


Ele havia construído sua vida com ela sobre uma plataforma de pedidos sem contrapartidas. Recebeu e pouco deu. Apostou saber construir o clima certo para qualquer estação. 


Ela fez a princípio que não entendeu. E não foi de pronto que se rebelou. Apenas fugiu aos pouco. Ignorou com leveza. Desdenhou com charme. Foi sutil e nunca se viu obrigada a dizer não. Apenas evitou atos que antes pareciam sentimentos e se mostraram meras cenas de amor.


Foi quando ele decidiu se aninhar em outros braços. Descompromissado, pediu pão e ganhou bandeja farta. Insinuou frio e recebeu abraços. Implorou calor e faturou paixões. 


E ela, aliviada, foi buscar novos verões. No caminho viveu primaveras, outonos e invernos mais promissores do que os de antes. Correu outros riscos de confundir paixão com amor. Mas, consciente, soube medir a oferta para a proporção do que lhe era dado. E assim passou a ter mais do que dava. 



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