terça-feira, 26 de junho de 2012

Crônica - O pão por cima da cerca de madeira

Vinha um pão caseiro ainda quente pelo menos uma vez por semana. Grande e cheiroso! Presente de Dona Maria Baiana, vizinha que passava a oferenda por cima da cerca de balaústre.

Feito nos quintais de outrora, o pão tinha a massa preparada a mão sobre uma mesa de madeira colocada na varanda. Nem o cilindro manual preso a uma das quinas do móvel era usado. E o forno, feito de tijolos, colocava o produto no ponto com lenha catada nas redondezas.

Nem sempre havia manteiga ou margarina. Mas bastava o café feito na hora e as fatias cortadas milimetricamente por mamãe mexiam com as lombrigas. Era um momento de festa mesmo que o dia fosse uma segunda, terça, quarta, quinta ou sexta de chuva.

Depois do pedaço mais grosso esperava-se a sobra, repartida com critério e justiça de mãe: igual para todos. E mais café esquentado no bule de alumínio de alça refeita com criativo improviso. Passado no coador de pano, o líquido escuro tinha gosto. E que gosto!

Só então, com a gula amainada, as crianças voltavam para o terreno em volta da casa. Se chovia brincava-se com o barro. Se estiava as árvores davam sombra. Eram quintais grandes. Varais de arame atravessavam a parte dos fundos de um lado a outro. Plantas ornamentais dividiam os espaços com grama e ervas daninhas. Cães perambulavam ao lado de gatos e frango caipira.

Dona Maria Baiana, alta, idosa e obesa, era na época apenas uma vizinha. Como tantas outras: a vizinha do lado esquerdo, a vizinha do lado direito, a vizinha dos fundos e a vizinha da frente, no outro lado da rua. O conceito de proximidade era simplista. Talvez porque fossemos todos pessoas simples, acostumadas a repartir o pouco que tínhamos com quem estivesse próximo.

Vigorava uma permuta espontânea. Ganha-se o pão hoje e retribui-se amanhã com umas laranjas. Ou o mamão e quem sabe um pedaço de melancia. Os primeiros moradores a terem geladeiras nas cozinhas costumavam colocar forninhos extras para congelar. Assim os vizinhos também podiam se refrescar nos dias de calor.

Dona Maria Baiana! Na verdade Dona Maria. O Baiana foi um acrescento por causa da origem da velha senhora. Faz muito tempo! E só agora ela aparece como pessoa importante nas nossas lembranças.

   

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