sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Conto - Uma relação apenas poética e musical

Você passa e eu acho graça... Tudo a ver com a voz de Clara Nunes interpretando Ataulfo Alves e Carlos Imperial. Magnificamente. Safra boa, gente de talento. É música para tomar emprestada. Fazer de conta que a gente é quem canta. Pudera vencer os desafinos...

Certa vez fizemos isso. Afinamos na alma. Acertamos o tom no improviso aproveitando outras afinidades. Deu certo por um bom tempo. Formamos uma dupla de todos os instantes: na troca de idéias, na cama, no prato feito do restaurante popular.

Nada para ser arrependido, tudo para concretar uma relação que ia de bem para melhor. Nem os exageros eram condenáveis. As críticas rebatiam como elogios. Bronquinhas eram manifestações ciumentas. Não havia nada a ser reprovado em um ou outro. Você passa e eu acho graça! Eu passo e você acha graça!

Eram frases carinhosas, feitas declarações. Mexiam, aumentavam o calor e a vontade de mais. Mais longe, mais intenso, mais carinho, mais demorado, mais e mais sempre. Com a certeza de que o esgotamento é impossível. Nunca será de outro jeito, nunca caminharemos distantes, nunca outra história, nunca e nunca mais.

Que pena! Você passa e eu acho graça! Eu passo e você acha graça! Agora em outra versão, às vezes irônica, outras desaforada. Mais e mais, nunca e nunca, sempre e sempre! Palavras extraídas da alma agora parecem expressões tolas jogadas da boca para fora.

Você passa e eu acho graça das promessas que fiz e das juras que você me fez. Eu passo e você acha graça não sei do que. Provável que seja daquilo que prometi e não cumpri. Se houver ainda um pouco de afinidade haverá também complacência sua e assumirá que a sua graça quando eu passo é também por aquilo que me jurou e deixou em aberto.

Fomos inocentes e agora somos culpados. Ou fomos culpados e agora somos inocentes. Tanto faz. Aqui a ordem dos fatores não altera o produto que somos. Que pena! Você passa e eu percebo que estou ficando só. Escuto Clara e admiro Ataulfo e Imperial. Eu passo e você permite que eu vá.

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