segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Conto - Rede de fofocas em versão jumento

É preciso deixar as coisas claras. Mas claríssimas, alvas, perceptíveis. Quando o chefe disse isso, a tal fulana saiu correndo pedir para o serviços gerais comprar meia dúzia de lâmpadas e recomendou: tem que ser aquelas bem fortes, que ilumina tudo. Que a luz chegue inclusive atrás dos armários, pois nada pode ficar no escuro.

O cara voltou com lâmpadas incandescentes. Ela mandou ele voltar à loja para trocar por fluorescentes. Brancas, que melhoram a impressão de clareza. E acrescentou consigo mesma: no fundo é tudo luz, mas as brancas dão a ilusão de mais clareza.

O fulano, por sua vez, telefonou ao vizinho e fechou um orçamento. A pintura da sala onde a equipe estava instalada num branco tão alvo quando a camisa do chefe. Acontece que no dia em que o vizinho pintor apareceu o chefe havia trocado de cor: foi trabalhar com uma camisa bege.

Então beltrano telefonou para bronquear e exigir a reparação no preço do orçamento original. Se deu mal, pois o pintor, por desaforo, passou o branco ralinho sobre a cor escura e ficou um bege opaco, desanimante e pouco estimulador.

Já o sicrano se encarregou dos móveis. Saíram as escrivaninhas, cadeiras, lixeiras, porta canetas, grampeadores, fitas adesivas, pastas, computadores, porta trecos e outras desnecessidades que eram de cores variadas. Tudo ficou branco, menos o cartucho de tinta da impressora.

E alguém se lembrou do piso. O laminado marfim foi retirado e no lugar colocaram o piso frio estonteantemente branco. Ficou realmente uma alvura. Combinaram também que todos trabalhariam de branco, inclusive nas peças íntimas. Beltrano e fulano acharam-se médicos, mas um deles foi confundido com cabeleireiro e outro, quando passou a pé em frente de um hospital, foi puxado violentamente para dentro porque havia uma emergência e estava faltando enfermeiro.

Quando o chefe retornou da viagem de algum lugar que ninguém soube onde, após participar por cinco dias de duzentos e trinta reuniões técnicas, a alvura do ambiente cegou os olhos e a tolerância. Foram berros para todos os lados. A bronca durou meio período de trabalho e só depois ele esclareceu. O que eu estou pedindo é de informantes. Quero saber tudo o que dizem por ai, nos outros setores da empresa. Quero ouvidos de jumento, grandes, captadores. Quero relatórios.

No dia seguinte todos foram trabalhar fantasiados. Eram orelhões enormes presos com elástico. As de fulana ficaram realmente de pé, antenadas, como se estivessem ouvindo tudo. As orelhas de beltrano ficaram iguais a de cachorros desanimados: caídas... e sicrano inovou: tratou de ir ao camelódromo para comprar amplificadores de audição.

No relatório fulana escreveu que realmente as orelhas de jumento melhoravam a captação das conversas, mas presas com elástico apertavam a cabeça e deixavam marcas bem na altura da testa. Beltrano não gostou: escreveu que com as orelhas escutou menos, pois feitas com panos macios elas entortavam e caiam sobre os seus ouvidos, prejudicando a audição. Sicrano pôs no relatório que a solução seria os aparelhos de surdez, mas precisava que a empresa o ressarcisse dos gastos com a compra numa lojinha de produtos do Paraguai.

O chefe, então, desistiu. Ele não tinha uma equipe preparada para atuar como informante. Ou seus subordinados eram burros ou se fizeram de jumento só para não criar naquele setor um time de fuxiqueiros. E alguém, por precaução, acrescentou no final deste texto: o jumento e o burro mencionados são humanos. Nenhuma ofensa aos animais, pois isso dá uma dor de cabeça...

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