quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Conto - A ida é o sonho do medo de voltar só

O dia é cinza, o sol cansou de clarear. Nem é calor, veste uma blusa, pode cair chuva de manga ou pode durar tempo preciso pra natureza chorar.

Vê se caminha rente à estrada, cuidado com pedras, pisa devagar, ergue o corpo, anda reto pra coluna não arcar.

Leva um pão, há de querer fome tapear, se ela bater, aproveita que ainda é fresca, é de ontem, a massa é boa, dá pra enganar.

Decore a mensagem que mando, do jeito que deve ser dito, capricha nos detalhes, inventa um pouco mais, acerta nas datas, horas e lugar.

Não deixe nada de fora, repita se for melhor, clareia dúvidas, insista, volte se tiver certeza que o recado ficou bem lá.

Confira se convém dar conta, sonda com cuidado se é bom, do que ocorre por aqui nestes dias que se passam desde a ida dela para lá.

Se for melhor diga nada, retorna, faz caminho de volta, nem olha para trás, saia manso sem nada demonstrar.

Cuida pra evitar suspeita, faz de conta, mostra riso, percebe se não dá fora, avisa que vai-se indo, toca-se a vida melhor que dá.

Mas fica atento, perceba se nela há vontade de saber de cá, meça se é necessidade ou mero querer de se inteirar.

Se assim for diga nada, faz pouco caso, desvia conversa, inventa pressa de andar pra mais cedo chegar e antes poder descansar.

Só peço, presta atenção, se for mesmo precisão, diga que por querer eu mesmo iria lá, sem medo de ter que voltar antes dos olhos dela encarar.

Faz assim na sutileza, como quem nada pretende, relato da solidão, narrativa de alguém que sem ela, por aqui sozinho está.

Vá meu sonho, pura pretensão de chegar lá sem nunca aqui abandonar, por receio de retornar tão só quanto na ida.

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