quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Crônica - O que a saudade esconde lá dentro

Após a dobra da esquina tem um portão, mas não é uma entrada qualquer. É o acesso a um quintal tão parecido com outros. No lado, na frente, na outra rua e em outros bairros. E dali se vê o mato baixo. Ervas daninhas, capim marmelada, folhagens diversas, grama esparramada.

Aos fundos um pé de limão rosa, copa grudada na mangueira que dá manga coquinho, à sombra das folhas de um gigante abacateiro. Se há flores elas se destacam, como o copo de leite rente à cerca de balaústra. Quem dera encontrar a mamona carregada e fazer travessuras. Brincar de guerra, esgotar paciência de quem passa alvejando costas e se escondendo atrás da moita de cana.

Tem uma construção em madeira logo adiante, é uma casa sem varanda nem pintura. Ela é de janelas toscas, de tábuas grossas e desalinhadas. Tem uma fresta na beirada da porta, falha de matajunta e ferrugem do prego. Pouco se vê do lado de dentro, o que os olhos mostram é um vazio, o que os ouvidos captam é um silêncio, o que a alma sente é uma saudade.

Tenta-se achar o fogão de lenha feito de tijolos e cimento, a chaleira de café em cima, sobre a brasa mantida dia e noite, no inverno ou no calor. Nenhuma mesa por perto, nem cadeiras em algum lugar. A distância da visão é mais longa do que se enxerga. Da cozinha vai à sala e de lá ruma-se aos quartos. Não existe um sofá velho de veludo manchado. Ninguém caminha pelos cômodos.

Há um vácuo entre o passado e o presente. Preencho este espaço com lembranças. Procuro mamãe e não a encontro. Para onde foram minhas irmãs? Papai deve estar no trabalho. Quero abrir a porta, preciso pegar meu carrinho de rolimã. Faz tempo não solto pipa. Devo reaprender a rodar pião.

Como eu queria uma casa com varanda! Sonhei um dia estar lá dentro vendo lá fora pela janela de vidro. E aquela mulher de cabelos negros presos em coque na nuca? Imagino quanto ela quis uma cadeira confortável posta à sobra ao entardecer.

Sonhos que eu tenho sempre de um lar humilde. A velha casa de madeira já não existe. E nem o meu retorno até ela me devolve o que busco lá, após a dobra da esquina, num quintal que nem eu sei, talvez eu tenha medo de entrar. Onde mamãe pôs o meu par de tênis para secar? Pessoas que não encontro. Coisas que perdi. Ali no pé do fogão de lenha pensei encontrar a resposta.

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