segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Conto - O poder rouba o sorriso e cria carranca

Beatriz mudou muito. Não houve, na verdade, uma transformação radical. Coisa assim como o corte dos cabelos do meio das costas à nuca ou a pintura do loiro para o negro brilhante que ao sol ofusca quando se observa.

Beatriz também não engordou. Continua magra e interessante. Muito menos deixou de se vestir no meio termo entre o esportivo e o social. Ela continua improvisando e muito bem. O jeans cai muito bem com o casaquinho. Nos pés, a preferência são ainda as sandálias de saltos altos.

O jeito de andar é o mesmo: soberbo, desafiador, provocante e enfim, charmoso. Quantos gostariam de andar ao lado dela? Muitos pretendentes, alguns manifestos e outros nem tanto. Sobram também admiradores que jamais se mostrarão a ela. Apenas sonham com remotas possibilidades.

Mas onde é que Beatriz mudou? Em que aspecto ocorreu a transformação? Quem conhece Beatriz além da figura esbelta que ela é sabe que a ocorrência está lá dentro onde ninguém enxerga, mas percebe. Basta a dose suficientemente necessária de sensibilidade para saber que a alma de Beatriz sofreu transgressões que a tornam diferente.

Beatriz assumiu a cara de uma pessoa preocupada com o que vai acontecer no minuto seguinte. Já não sorri com a expressão de uma criança feliz. É uma adulta zelosa com o que faz. Tem medo de errar, por isso nem sempre faz. Não ousa. E nem brinca como antes. Não se expõe e demonstra medo de tudo.

Não ouve música, não reparte mais os fins das jornadas de trabalho com o colegas na mesa de um bar. Sai do escritório e vai para casa limpar, lavar, passar, reprogramar, agilizar, providenciar, deixar tudo no jeito. Reclama mais do que antes.

Há quem aposte que tudo é por culpa do amor. A criança descompromissada agora tem um pretendente a quem retribuiu. E isso pesa, porque as intenções são sérias e a vida a dois, além do equilíbrio sentimental, exige muito mais, inclusive na parte financeira.

Mas os sintomas mais forte são de uma transformação profissional. Beatriz virou chefe, comando uma equipe de meia dúzia de colegas, assina, despacha, admite, demite, dá folga, nega férias, corta despesas e diz sim ao chefe dela. É estressante. Beatriz, com isso, virou uma comandante carrancuda que nem para os amigos que não são da empresa consegue mais abrir sorrisos. Beatriz é chefe.

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