terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Conto - Não fosse o equívoco daria uma paixão

Foi um equívoco. Assim Leopoldina classificou o amor repentino por Anacleto. Aconteceu, num resumo improvisado, mais ou menos assim: ele era farmacêutico dos antigos, de aplicar injeção mesmo sem ser especialista. Educado, dispensava atenção a todos que compravam no estabelecimento e, se fosse preciso, ajeitava a seringa e medicava quem quer que fosse: mulher, homem, criança, adolescente, jovem, idoso, gato da madame, cachorro do comerciante, passarinho do guri e cavalo do verdureiro.

Foi que certa vez Leopoldina saiu do médico com a receita de quatro injeções seguidas num intervalo de oito horas: braço esquerdo, nádega direita, braço direito, nádega esquerda. Anacleto foi liso. Nunca derrapou a mão. Mas aquele jeito educado e solícito e a sensação de ter as nádegas observadas mexeram com a mulher.

Fosse ela solteira... Mas Leopoldina era casada com Teodoro e ambos tinham três filhos. Aquela agitação foi um problema. Houve muitas tentações. Em alguns momentos, incontroláveis. Leopoldina passou a frequentar a farmácia quase todos os dias. Para comprar uma aspirina, trocar a pilha do farolete, consultar marca de colírio, trocar idéia sobre o melhor tipo de pano para lenço e decidir sobre o melhor modelo de calcinha. Tudo virou motivo para uma ida a farmácia.

Anacleto percebeu, mas se manteve liso. Imagina se o Teodoro fica ciente? E eles eram grandes amigos. Até as insinuações de Leopoldina Anacleto fazia de conta não entender. Respondia atravessado, sem coisa com coisa. Às vezes se tornava ríspido. E quanto mais cruel o Anacleto, mais Leopoldina se apaixonava. E quanto mais apaixonada, mais loucuras fazia: escrevia bilhetinhos que eram deixados descuidadamente no balcão, telefonava de hora em hora, sorria para o farmacêutico um sorriso escancaradamente denunciador na frente de todo mundo.

Certa vez Leopoldina pediu a ajuda de uma amiga para segurar uma faixa em frente ao estabelecimento de Anacleto com a frase: Eu te amo! Muito! A amiga rasgou a faixa com uma tesoura. E foi correndo avisar o Anacleto e pedir a ele dar um basta. Do tipo, diz para ela que você odeia mulher. Claro, Anacleto discordou. O que fez foi dizer a Leopoldina que não gostava de mulheres velhas, preferia as novinhas. E Leopoldina passou a odiar o farmacêutico.

O drama é que naquele tempo não havia botox. Leopoldina nem tão velha era. E Anacleto nem tão jovem era. Ele até que se satisfaria com aquela mulher madura, mas em forma. Por lealdade a Teodoro desceu o que pode e chamou Leopoldina, que considerava uma pessoa bonita, de feia. Foi assim que ela entendeu. E a vaidade transformou a paixão em equívoco. 

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