segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Conto - É como diz a poesia: inimigo e irmão

Leonita ainda tem dúvidas. Não sabe se faz a mensagem chegar ao destinatário. Isso depois de muito refletir. Ela gastou semanas em hipóteses e possibilidades. O objetivo é encerrar uma situação constrangedora que está instalada mas não se faz flagrante. É camuflada e por ser assim seus efeitos são mais nocivos.

“Melhor se fossemos inimigas declaradas”, imagina Leonita. Porém, se fosse dada a análise para pessoas de fora, diriam, provavelmente, que aquelas duas são mais do que amigas. “Parecem irmãs”, arriscariam alguns. 

A face oculta da maldade percebida por Leonita é Alzira, colega de longos anos no trabalho e, por certo, em determinado período do convívio profissional amiga, e muito. Da mesma forma que é percebida, essa maldade também é assumida. As hostilidades quando estão só são recíprocas. Não há uma tentativa de acerto.

Alfinetadas! Provocações inteligentes e certeiras fazem parte das conversas, qualquer que seja o assunto. Ambas trabalham na mesma sala. Uma fica de frente a outra. O poder foi alternado por várias vezes entre ambas: Leonita já foi chefe de Alzira que também já comandou Leonita. Esta, porém, não parece ser a causa da intriga. Alzira está noiva do ex-namorado de Leonita. Será?

Motivo que seria convincente caso o amor de Leonita pelo ex fosse substancioso. Ao que se sabe, nada de estimulante aconteceu naquela relação. Era um vai e volta sem tempero, do tipo que se leva para evitar um rompimento que deixe mágoas. Talvez seja isso, o arrastamento sem nexo, que tenha criado traumas e conseqüências. O que diria o ex a Alzira sobre a ex?

Provavelmente o conflito venha em decorrência de uma culpa sem culpa. Leonita até apostaria, se dotada de fundamento, que o causador é o ex. Seria uma forma de se vingar, criando um clima de desacerto entre a ex e a atual.

Um poema de Hans Magnus Enzensberger, poeta alemão, pegou recentemente as duas juntas durante a execução de um CD de música em volume de som ambiente. Uma lixava as unhas e outra retocava as sobrancelhas quando a versão de Arnaldo Antunes e Aldo Fortes entrou no refrão: “Meu inimigo / debruçado sobre o balcão/ na cama em cima do armário / no chão por toda parte / agachado / olhos fixos em mim / meu irmão”.

Pelas expressões ambas escutaram e até acharam interessante. Mas se entenderam fizeram de contra que não era com elas. E a mensagem foi enviada para a lixeira. 

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