quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Conto - A maldade escorre pelos cantos da boca

Era um veneno! Na jornada de trabalho de oito horas, descontado o intervalo do almoço, ainda restava uma para os afazeres profissionais. Antes que alguém se coloque a fazer contas e criticar a matemática de até agora, o aviso: a mulher era assídua e pontual. Chegava às oito e meia, saia para o almoço às onze e meia, retornava uma da tarde e deixava a repartição às cinco. De segunda a sexta, exceto nos feriados.

Assim, tirando o intervalo estabelecido por lei e o das tarefas diárias, as outras seis horas a menina gastava em conversas. Aliás, que conversa. E nos perdoem as mocinhas bonitas. Menina, neste caso, é um qualificativo ao contrário atribuído não à presença física da pessoa, mas ao caráter.

Então, se permitem, ela será chamada de menina até o ponto final deste texto. Menina! Oras, fazer o que? A menina falava de todo mundo. Da vizinha que tinha um caso com o patrão, da colega de trabalho que enrolava o dia todo, do chefe que fazia de conta que trabalhava, do dono da padaria que bolinava a balconista e de todos os demais que, por um motivo ou outro, ela via como inimigos. Sim para fazer parte das conversas bastava a pessoa ser vista como inimiga.

A menina, de acordo com próprio conceito, era perfeita. Em tudo! No trabalho, no lar, na pilotagem do fogão, na arrumação da geladeira, no penteado e no retoque do baton. E de tão exata nas coisas se dava ao direito de ser crítica dos outros. Inclusive no intervalo do almoço, onde comia prato feito num restaurante próximo do trabalho.

Certa vez ela foi vista dividindo a mesa com duas colegas. Enquanto comia falava dos outros. E a baba, se não se via escorrer, descia veneno. Perceberam as companheiras constrangidas, pois elas haviam recorrido ao local para se alimentar de comida, e não de maldades. Mas a menina prosseguia, com uma história atrás da outra, vertendo veneno pelos cantos da boca.

Foram quase trinta minutos no local. As duas saíram antes, cabisbaixas. Ela desceu depois para o trabalho, tropeçando nos degraus e bambeando. Diagnosticaram que a tontura foi resultado de deficiências graves na visão, na sensibilidade, no caráter e na personalidade. Nenhum médico quis receitar medicamento. Disseram que a solução para o caso seria a dignidade própria. E a menina continuou cambaleando e tropeçando nos degraus.

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