quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Conto - Espumante, panetones e reflexões

Panetones! Claudete presenteou alguns parentes e amigos com nove deles. Recebeu de volta oito. Não fosse por este um que faltou, poderia se dizer que a troca de presentes de Natal foi, para ela, uma permuta de panetones.

Nem as marcas variaram muito. As de sache fabricadas por supermercados vieram em maior quantidade. Depois as de caixinhas, umas de fabricantes tradicionais, outras com logomarcas ainda desconhecidas. De latinha Claudete recebeu um.

Ainda estouravam fogos de artifícios quando as reflexões começaram: “Eu comprei três de latinhas, cinco de caixas e um de sache. Perdi um que não me devolveram. E vamos supor que das latinhas um me devolveu com a mesma moeda. Quem seriam os dois que substimaram a minha lembrança?”

Abraços, beijinhos nas bochechas e votos de um Feliz Natal entre croquetes, fatias de assados, uvas de diferentes qualidades e espumante conseguiam acalmar Claudete. Mas a curiosidade apertava nos momentos de solidão: “Quem não devolveu o meu panetone? Será que alguém me devolveu a mais? Comprei de caixinha e me devolveu de latinha?”

Aqui se abrem dois parênteses. O primeiro é sobre a solidão. Claudete estava numa festa de família. Embora rodeada de pessoas – e diga-se que nestas festas todas acabam virando entes queridos – Claudete mergulhava com facilidade num vazio. Sozinha e desamparada, punha-se frágil aos pensamentos nada positivos. Coisas tristes e interrogativas borbulhavam na cabeça e afetavam a alma.

O segundo misturava duas sensações que são a mesma, mas antagônicas nos sentidos: o medo dela ter sido injusta com alguém e a impressão de uma pessoa do grupo presenteado ter sido injusta com ela. “Será que deixei de comprar panetone para alguém? E esta pessoa que não me retribuiu? Será que fiz algum mal a ela?”

Mais uma fatia de assados. Um dedinho de espumante não faz mal. Uvas liberadas. E panetones na mesa. Entre uma mordida e outra mais pensamentos. E antes do líquido passar pela garganta, suave, o vazio silencioso. Nem as vozes dos embriagados se ouviam embora nesses o tom e o volume fossem enfatizados. “Bêbado não fala! Bêbado grita!”

Claudete imaginou ter pensado sobre isso. Mas havia dito. E alto e com voz firme. Foi um dito desaforado, raivoso, de reprovação aos parentes e amigos embriagados que compensavam o excesso de álcool com palavras e danças ridículas. E falou em frente de um tio, bêbado, que vestiu a carapuça. Imediatamente ele largou o copo de cerveja em cima de uma cadeira, catou o panetone de lata que havia trazido para retribuir o panetone de sache que havia recebido e se foi, sem se despedir de ninguém.

E a vizinha, uma das poucas que percebeu a cena no meio daquela agitação, chegou de mansinho, com um pacote de presente na mão: “Querida, muito obrigada pelo panetone. Eu trouxe para você uma lembrancinha, mas é de coração. Acho que você vai gostar”.

Claudete abriu o pacote e se surpreendeu com a blusinha lilás que ela havia dias antes cobiçado e comentado com a vizinha. E então se pôs a pensar: “Caramba! Como fui injusta com a minha vizinha! Dei um panetone de cinco reais e ela me devolve com uma blusa de trinta!”

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