segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Crônica - Sem peru o porco é desprezado

Anita dispensou o peru e o procedimento natalino nada teve a ver com economia doméstica. Foi uma decisão familiar após alguns debates por dias seguidos às vésperas do grande dia.

Euzébio, o marido, até que dispensava objeção. Conformista, durante a quentura das discussões saia-se sempre com a resposta mais conveniente do momento, de forma a evitar constrangimento com qualquer das partes envolvidas: “Ah, faz qualquer coisa. Tudo é bom, desde que tenha também um assado de porco”.

Caio, o filho mais velho, radicalizou: “Aquela coisona depenada, com um apito não sei onde, tem gosto de isopor. Não acho graça nem trocando o recheio gosmento por bacon e azeitona. Pode descartar. Se é pra ter carne branca prefiro frango”.

Então Kauany, a do meio, emendava: “Frango só se for um assado de coxa e sobrecoxa. Porque frango assado inteiro é um peruzinho com o mesmo recheio gosmento e também tem gosto de plástico. Nem frango e nem peru. Se for isso eu frito ovo para mim”.

E o mais novo, Júnior, ainda na adolescência titubeava. Na verdade usava de cautela e analisava a posição de cada um: a mãe, por tradição, preferia peru; o pai não estava nem ai; o irmão mais velho não queria isopor na mesa; a irmã recusava plástico e preferia ovo. E ele? Grande dilema.

É sabido que Júnior, se pudesse escolher, faria uma lista com três preferências em ordem de prioridade: cheese baicon e egg em primeiro, cheese baicon  em segundo e cheese egg em terceiro. Para acompanhar, muita coca cola. Ciente de que seria não somente derrotado, mas principalmente condenado diante daquele público enfurecido durante o debate do almoço de Natal, Júnior tentava ganhar tempo: “E se a mãe retemperar o peru?”

Claro, tiros de canhão. A sugestão era rechaçada e nem merecia defesa. “E se fizer frango a passarinho?” Que nada, todos achavam que este tipo de prato era muito vulgar para um almoço de Natal. De repente, num vacilo, Júnior disse por dizer: “E se assar um porcão inteiro com uma maça na boca?”

Pronto! A sugestão estava dada. E o suíno ocupou a parte central da mesa forrada com uma toalha cor de laranja. Numa das pontas o rabinho enrolado lembrava alguma coisa que não era comida. Na outra, a cabeça do coitado, estorricada, afastava a fome.

Comeram arroz, maionese, salada de pepino e tomate, jiló com massa de tomate, panetone, pão com manteiga, biscoito água e sal. Sobrou um porco quase inteiro.

E Anita se lamentava: “Se fosse peru todo mundo tinha ao menos dado uma mordidinha...”

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