sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Crônica - Esta grande cidade é muito minha

A Quintino Bocaiúva era calçada com paralelepípedos e abaixo dela meu avô paterno mantinha uma quitanda, na Belo Horizonte, logo após a esquina com a Fernando de Noronha. O telefone da quitanda do vovô era preto. Menino de calção de elástico descendo pelas nádegas, eu não podia mexer no aparelho. Mas assistia com curiosidade minha tia tirar o fone do gancho, acionar a manivela para chamar a telefonista e quando atendida pedir uma ligação.

Nasci naquele trecho do centro de Londrina e o parto foi em uma casa pouco mais adianta da quitanda, quase na esquina com a Mossoró. Nunca tive curiosidade de perguntar a minha mãe o nome da parteira que me ajudou a vir para este lado do mundo. Hoje que não a tenho mais sinto muita falta dessa informação. E não há parentes que possam me dar um sinal sobre a mulher que acompanhou minha mãe no parto.

Provavelmente ela morava naquela região do centro da cidade. O comércio já se estabelecia na Rua Belo Horizonte e vias próximas, mas ainda havia muitas residências. E elas deviam abrigar parteiras em quantidade suficiente para trazer londrinenses ao mundo. Poucas pessoas recorriam aos médicos e aos hospitais naquele tempo.

Nasci num dia 6 de maio do ano de 1956, mas só fui registrado no dia 26. Os 20 dias de atraso geravam multa, por isso as famílias diziam no cartório que a criança havia nascido na data em que estavam providenciando o registro. Com menos de um ano de idade meus pais mudaram-se para a Rua Juruá, na Vila Nova, um bairro abaixo da linha férrea que separava Londrina em dois.

A casa onde vivi até a adolescência era a de número 181. Na verdade, uma casinha velha, de tábuas escurecidas pelo tempo, sem forro e com porão de altura que cabia a gente, quando criança, de pé. O Assoalho era também de tábuas. As falhas na madeira mostravam frestas enormes em alguns pontos. A única rua calçada com paralelepípedo era a Araguaia. O resto era poeira na estiagem e barro na chuva.

Os nossos passeios eram no centro de Londrina. E, na volta, passávamos pela quitanda do vovô. Verduras e frutas dividiam o estabelecimento de uma porta com balas, doces, flores e refrigerantes. Às vezes vovô nos presenteava com um cacho de uva. Era uma fruta muita rara na nossa modesta casinha da Rua Juruá, onde tínhamos, em compensação, três pés de manga rosa, uma moita de cana-de-açúcar, um pé de limão rosa, um abacateiro e, na cerca, maracujá doce.

O Bosque Central de Londrina tinha uma área cercada. Era passagem obrigatória da família. Macacos, aves e pássaros podiam ser visto. São marcantes as idas ao centro para assistir o desfile de 7 de setembro. Na volta, pelo menos um pacote de pipoca salgada representava o prêmio pelo bom comportamento. Íamos ao Cemitério São Pedro a pé, da Vila Nova até depois do centro. E no caminho de volta, um contorno pela Belo Horizonte, na quitanda do vovô.

É aquela Londrina dos anos 60 e 70 que mantenho no meu coração. A cidade completa 77 anos de idade. Estou com 55. Ela permanece jovem e obteve muitas conquistas. Eu, se ainda não me sinto velho, sei que a idade vai apertando, diminuindo a velocidade dos passos, tornando as subidas mais acentuadas.

Mas continuo aquele londrinense que gosta de andar a pé pela cidade que o trouxe ao mundo e o acolhe. Sem egoísmo, eu digo: esta cidade é minha. Muito minha.

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