segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Conto - Mentiras, omissões e outras mentiras

Pequenos motivos dispensam telefonemas para esclarecer, tirar dúvidas, trocar idéias, discordar, elogiar, condenar ou acatar. Médios e grandes também.

Houve um tempo em que tudo era permitido. Uma vírgula no lugar errado e o celular estava pronto para que as perguntas fossem feitas. O que houve? O que causou isso? Algum descontentamento?

Por melhores que fossem as respostas, a provocação não era poupada: anda meio distraído ultimamente...
E mais perguntas, seguidas de outras. Fiz algo errado? Quer conversar sobre isso? Não está feliz comigo?
E outra provocação: está muito esquisito nos últimos dias...

Anita tinha esse jeito. Queria tudo no controle. Às vezes chegava à inconveniência de tanto telefonar para tirar satisfação. Do tipo: ontem, no jantar, reparei que você deixou a sobremesa de lado.

Justificativas feitas, ela simulava aceitar, mas emendava, logo em seguida. Estava com tanta pressa, ontem?
Irritante. Haroldo nem sempre respondia. Em certas ocasiões se omitia, sabendo que ela sofreria dias, semanas e até meses por não tem recebido atenção.

E jamais subestime Anita. Podia passar um bom tempo, mas ela encontrava uma maneira de retomar o assunto. Lembra que no mês passado, quando fomos naquele restaurante, você atendeu uma ligação no celular? Pois é. Fez uma cara de sonso. Quem é que estava do outro lado da linha? Alguma mulher? Sabe que dá para perceber, né? Você muda a voz e o jeito de falar...

Essas insinuações nem vinham ao caso no começo da relação. Era o tempo bom, das paixões, quando tudo se supera por causa do ardor. E durou mais ou menos um ano e meio. Haroldo concordava com si próprio que havia sido um período longo.

Passada esta fase ainda restava o amor. Foi quando Haroldo decidiu responder às provocações de Anita com mentiras. Era, sim, uma mulher. Aliás, uma mulher muito respeitável: a minha tia lá de São Paulo.

E foram muitas mentiras. Ora a supervisora da loja, em seguida a caixa que não conseguiu bater o movimento do dia. A zeladora ligava todas as noite, avisando que havia terminado a limpeza e perguntando se precisava de mais alguma coisa. E Haroldo até aumentava o tamanho da mentira. Combinei com a zeladora para telefonar todos os dias antes de ir embora. Senão, você já viu. Relaxa e deixa metade sujo.

Como também foram tantas as invenções que não havia mais em que se inspirar para justificar ligações telefônicas, saídas mais rápidas dos encontros diários, ausências e serviços extraordinários. Cursos, então, foram constantes.

E Haroldo optou pelas omissões. Deixar Anita perguntar e nada responder. Fazer ela sofrer de curiosidade. Calar como se estivesse consentindo com as provocações. Foi então que ele percebeu que nem um restinho de amor sobrava naquela relação que foi mantida por conveniência e quase piedade.

Ou seja, mais uma mentira. E Anita já não faz perguntas nem dos grandes atrasos e ausências. Não é que ela tenha entregado os pontos. Ela decidiu também mentir. As provocações, agora, são para Diogo, colega de trabalho de Haroldo, e ainda estão na fase da paixão.

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