quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Conto - Uma boneca de presente para si mesma

A boneca que pronuncia vinte palavras é tão interessante quanto a que fala dez frases. E veja que o preço é o mesmo. Mas bem que Liliane gostaria de levar a que mexe os olhos. Esta é uma mocinha de cabelos alisados metida num vestido curto. E pisca com charme. Aquelas são bebês dizendo as primeiras conjunções de vogais e consoantes. Coisas simples e mais ditas, como vovó, vovô, chocolate e mama. Usam vestidos simples de desenhos infantis: bolinhas, xadrez, bichinhos e outras decorações comuns. Trazem chupetas e carregam mamadeiras. Tem mais recursos e custam mais. Falam quando obrigadas: a dona do brinquedo tem que apertar a barriga.

E se Liliane preferisse também aquela que conduz um carro cor de rosa, então as opções formariam um leque e a escolha, provavelmente, ficaria para depois. Sorte que ela ainda não chegou à boneca que dança. Melhor ainda por ter passado com desprezo pelo corredor onde estão expostas as que representam as estrangeiras. Algumas trazem em suas caixas toda a maquiagem necessária, além de vestidos, sapatos, correntes e pulseiras. São luxuosas e caladas. Não se encontra uma Barbie que diga papai ou mamãe. Quando o fazem, as pronúncias são em inglês.

Olha só a outra pedindo ajuda para colocar a pulseira. Muito moderninha, imagina Liliane. A moça que mexe os olhos é mais simples. Até por isso parece mais bela. Liliane não quer uma peruazinha moderna e jovem. Uma boneca tem, enfim, que representar o mais fielmente a infância. Por isso as que falam quando têm suas barrigas apertadas são interessantes.

E aquelas, maiores, pena que não fazem nada. Chamam a atenção por causa das expressões dos rostos. Algumas reproduzem asiáticas. Outras são mulatas. Isso é diferente. Fogem dos perfis das loiras, as que mais aparecem nos mostruários. Liliane está pensativa. Provavelmente imagina que algum estudo norteia os fabricantes. Do tipo, bonecas louras vendem mais.

E nenhuma decisão. Liliane está comprando uma boneca para presentear uma criança. Mas é como se estivesse fazendo a aquisição para si mesma. Na infância dela as bonecas eram de plástico com as pernas e os braços encaixados. Os meninos criavam casos com as meninas arrancando os membros dos brinquedos. Um leve amasso deformava a boneca. Os cabelos eram moldados com a própria massa. Os olhos e a boca eram desenhados. Por isso Liliane preferia as bonecas de pano que sua mãe fazia. E aquele brinquedo com cabelos feitos de fios de lã trocava de roupas que Liliane confeccionava na costura a mão.

Quase adolescente Liliane quis uma boneca que chorava quando era balançada. Nunca ganhou uma. Por isso ela imagina que a menina a ser presenteada gostará muita dos modelos que dizem vovó, vovô, papa, mama, chupeta, chocolate e outras palavras que as bonecas de pano nunca pronunciaram.

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