quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Crônica - Conversa franca na frente do espelho

A pergunta veio na lata, sem dó e nem piedade:

- Então, o que você fez de bom em 2011? Faz um balanço mas sem muito critério.

- Hummmm... tantas coisas. Bom em que sentido?

- Sei lá. São tantas e não consegue dizer? O que há?

- Não é isso. Bom para mim ou para outras pessoas?

- Ah, não enrola. Começa com o que fez de bom para si próprio.

- Troquei de carro e aceitei a pendência com o financiamento habitacional. Deixei tudo redondo.

- E fora o material? Aquelas outras pendências complicadas, como é que ficaram?

- Vixe! Nem me fale. Ficaram mais complicadas ainda. Ali deixo tudo em aberto. Nem aceno de solução aprontei.

- É! Então de alma está devendo e muito. Nenhuma chance de acerto nestas horas finais de 2011?

- Que nada. Evito até pensar. No começo de 2012 dou um jeito.

- E vejo que não cumpriu a promessa de parar de fumar este ano...

- Mas tentei. Na imagina quanto. Até troquei a marca do cigarro para ajudar. Passei a comprar um mais barato e forte. Assim vou diminuindo aos poucos.

- Igualzinho o que eu fiz. Mas não resolve. Acostuma com o mais forte e ruim e fica nisso. Não adianta. Nisso estamos empatados.

- Verdade. Se tivéssemos feito aquela aposta ninguém devia para ninguém. Ou ambos estaríamos devendo um para o outro.

- É! Uma dívida pesada.

- No começo do ano a gente tenta juntos. Um incentivando o outro é mais fácil. Mas é sério mesmo. Controlar cigarro quando juntos e fumar escondido é sacanagem.

- Mais que isso. É traição, né? Igual infidelidade conjugal. E sabe que é fácil viciar na mentira, né? Mole, mole. Mente um pouco hoje, mais um tanto amanhã e vai de acostumando...

- Então definimos agora: dia 2 de janeiro. Que tal?

- Mais para frente. Na segunda semana de janeiro é melhor porque a ressaca da virada do ano já foi embora.

- Mas logo chega o carnaval. E daí? Como é que fica? Carnaval é período brabo.

- Eu não ligo muito. É a mesma coisa. Para mim ta valendo janeiro e pronto. Se tem que parar de fumar, que seja depois das festas da virada.

- A gente conversa na época e define.

- Ah, também voltei à igreja em 2011. Mas consciente, sem carolice. Maduro. Vou porque quero, sem pressão de mulher, vizinho ou o que valha. Vou e não entro nas conversas do padre e dos carolas. Vou por mim e tenho o meu diálogo silencioso.

- Isso é bom. Grande feito. Principalmente se não é por obrigação. Eu ainda estou refletindo. Mas estou pendendo de voltar. Também por conta e sem aparas. Quero ir comigo mesmo.

- Claro, vale a pena. Eu, por exemplo, me concentro nas minhas reflexões quando começam a falar bobagens. E me esforço tanto que consigo definir muito bem em que eu tenho fé. E confesso: a igreja ainda me traz muitas dúvidas.

- Que coisa, não? Parece uma amarração. Os caras impõem até o modelo de fé que você tem que ter.

- Nem falo. Tenho sentido isso, mesmo com vontade de ser neutro. Mas agora continuo e vou crescendo comigo mesmo. Decidi assim.

- E mais, o que você fez? No estudo, no trabalho, na comunidade?

- No trabalho tentei grandes projetos. No fim acabei concluindo que o melhor é fazer o que deve ser feito.

- Igual. Engavetei um monte de coisas para evitar problemas. Toquei em frente naquilo que é obrigação.

- E nisso não tenho do que me envergonhar, cara. Trabalhei muito. Mas no trivial. Agora, nos estudo, estanquei. Pretendia, mas analisei que já estou velho para teorias. Nem especialização e nem mestrado.

- E aquele sonho de aulas? Detonou?

- Deixei passar. E na comunidade tentei. Mas me intimidei quando vi que em certos lugares, se não tiver interesse político, o sistema te engole. Então me limitei ao condomínio. Lá fiz algumas coisinhas. Sabe que pela primeira vez desde que o prédio foi entregue, há quase 20 anos, conseguimos fazer uma confraternização de fim de ano?

- Isso é grande, cara! Grande mesmo! Eu nunca conversei com o meu vizinho da frente.

- Então. Enfim, não fiz quase nada. Tentei muito mas fui serviçal. As coisas mais de idéias não aconteceram.

- É! Então somos a mesma pessoa. Percebo ai certa frustração. Então saia da frente do espelho. Não foi tão ruim assim. Mas sendo o seu reflexo nada posso fazer para melhorar.

- Certo. Nos veremos. Tenho ainda muitos dentes para escovar, barbas para aparar, cabelos para pentear até a virada do ano. E, na verdade, só tenho você ai do outro lado do espelho para conversar.

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