sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Andar por ai ou ser politicamente correto

No dia 18 de novembro de 1928 nasceu o Mickey. O nome de batista dele é Mortimer. O carinha bebia que nem um poço seco e fumava igual chaminé de fogão de lenha durante o preparo do feijão. Um terror para os padrões da sociedade, mas na época entendia-se que ele havia surgido para dar um contraponto ao ser humano seguro e consciente.

Talvez uma mexida. Ou, quem sabe, um tapa na cara. Mas foram os próprios criadores de Mortimer que trabalharam a sua redenção. Ou, diríamos, conciliação com o útil e agradável. Então, por sugestão de Lílian, mulher de Walt Disney, Mortimer ganhou um apelido simpático: Mickey.

Deixou de beber e de fumar. Tornou-se um modelo exemplar de espécime. Mickey é um ratinho, mas no imaginário de quem o lê é um ser protótipo, ideal para nele ser inspirado, sabedor, ciente e consciente, comportado e eterno namorado da Minie.

Poderíamos ousar e dizer que o Mickey, depois de largar a bebida e o cigarro e abandonar o seu nome de batismo, virou uma chatice. Reúna o maior número de gibis dele e confira: raramente o Mickey sorri. E se não sorri, pior ainda quando se exige uma gargalhada.

Mickey, se transposto para a realidade brasileira, seria aquele cara que ainda criança demonstra precocidade em assuntos complicados. Sim, aquele tipo de criança que a gente enxerga como um velho sábio, quando não cria ojeriza devido ao desnível entre a aparência infantil e a cabeça de doutor.

Por isso Mickey namora eternamente Minnie e deixa a impressão de uma relação vencida: é o velhinho namorando a jovem ratinha. Depois, aquela criança precoce será na escola sempre o melhor. Quando começa a trabalhar se destaca e agrada os chefes.

Um dia decide-se pelo namoro comportado. Chega o noivado, que só deve ocorrer quando a casa do futuro casal já estiver comprada, mesmo com financiamento da Caixa. E isso dói...

Depois do noivado o Mickey brasileiro planeja o casamento, que de acordo com a sua previsão deverá ocorrer só depois da esperada promoção no serviço. Já casado, o Mickey brasileiro esconde embaixo da cama toda a sua precoce inteligência e faz filhos: um, dois, três e quatro, se o quinto não escapar para o óvulo da mulher.

Nessa fase o Mickey brasileiro já está pensando na aposentadoria. O carro ele só compra à vista, nada de financiamento. Aliás, a casa da Caixa já está quitada. E ele pensa numa chácara ou num casa de praia. E corre atrás do imóvel muito antes de saber se a Minnie brasileira e os filhinhos tupiniquins querem mesmo a Casa de praia ou a chácara. É ele quem decide.

E chega a aposentadoria. E a vida acaba. Aliás, chata, demorada e sem acontecimentos que mexem, o Mickey brasileiro é igual ao Mickey do Walt Disney: um conformado com a vida como ela é. É muita ousadia dizer que o Mickey é um carinha politicamente correto?

Há quem prefira subverter e mencione o poeta Francisco Otaviano de Almeida Rosa (1825-1889), num trecho muito conhecido: “Quem passou a vida em brancas nuvens / E em plácido repouso adormeceu, / Quem não sentiu o frio da desgraça, / Quem passou pela vida e não sofreu / Foi espectro de homem, não foi homem, / Só passou pela vida, não viveu.”

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