quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Conto - Um celular no vibrador engana e muito

E ela ria. Era um riso misturado: timidez e contentamento. Havia uma causa, não era à toa. E a causa era dela. Exclusivamente individual, egoísticamente indivisível. Sem possibilidade de um aluguel temporário ou empréstimo com dividendos consideráveis. Nada disso. Dela, somente dela.

Ela ia de ônibus para algum lugar. Bancos ocupados, corredores apertados e ela, de pé, esticando os braços para segurar lá em cima. Nas costas uma grande mochila cheia de algumas coisas: babador, travesseirinho, tapa-olho, esmalte, lixa, acetona, espelho com o emblema do São Paulo, reserva de absorvente feminino, pão com mortadela, banana e chicletes. Um peso, coitada!

Presa no pescoço por uma tira, o aparelho de telefone celular colocado no vibrador balançava na altura do umbigo. Quanto mais curva o ônibus fazia, mais o celular batia no corpo após virar de um lado a outro. Nas paradas, mais balanço e mais o aparelho se mexia.

Atrás um fulano bem ajeitado, novinho, o tipo pretendido. E o ônibus fazendo curva e balançando. Não só o celular. Também o corpo dela. E, quem sabe, o dele também. Por que não? E o ônibus parando, arrancando, dobrando esquinas e indo. Ela rindo, o telefone balançando e batendo no umbigo, os corpos se encostando.

Ela pendurada com as mãos esticadas no pegador lá do teto. Ele atrás fazendo de conta estar indiferente e alheio ao que acontecia com a moça da frente. E vai o motorista apertar o pé no acelerador, fazendo os corpos jogarem para trás. E pisa no freio, levando os corpos para frente. E faz curva, jogando todos para os lados. E as mãos esticadas, os ombros doendo com o peso da mochila, o pão com a mortadela cheirando e a banana amassando.

Ela rindo. Um riso tímido e contente. E quem tivesse a capacidade de decifrar aquela expressão diria que ela se achava satisfeita e realizada por um motivo muito especial. Era realmente uma carinha de felicidade imensa.
E ela rindo, até que percebeu que as cócegas que sentia na barriga descoberta eram causadas pelo vibrador do celular, que havia sido acionado mais de dez vezes naquele curto trajeto. 

Então ela não riu mais. Não era a mão daquele rapaz que a tocava após cada curva, cada parada, cada esquina dobrada e cada saída brusca dos pontos de ônibus.

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