quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Conto - Só ela tem a cura para sua dor profunda

Dor esquisita aquela que acomete Narinha. Tira-lhe a voz e esconde o seu sorriso. Coloca-a indisposta e meia que largada, quase um zumbi andando sem rumo. Ela dispensou a ajuda de médicos. Disse que daquela dor ela se cura. Leva tempo, admitiu ter conhecimento. Mas assumiu por si própria buscar a cicatrização que, sabe-se lá onde vai deixar marca.

Narinha comentou certa vez que sua dor é profunda. Que vem lá de dentro e por não ser de ferida exposta não alivia com uma boa pomada. Também difere da dor muscular. Então nem a massagem serviria para alguma coisa. Nada tem a ver com os ossos. Dispensa-se, portanto, medicamentos e exercícios.
Queixa-se que dói muito mais que uma queimadura. Que arde no coração. Sufoca o peito, cria angústia e vira para uma agonia estranha. Que é uma dor constante e não vem de pontadas que torturam o físico e atrapalham o raciocínio.

A dor que Narinha sente e descreve faz pensar. E quanto mais se pensa mais dói. E se dói torna impossível parar de pensar. Estranho isso! Ela confidencia que parece um vício: dói e se pensa na causa da dor; e se tenta manter a cabeça vaga, mas elas voltam, a dor e o pensamento, uma alimentando a outra.

Recomendaram uma terapia, vai que se tenda para o prazer. E se for assim a dor vira uma nicotina e o pensamento se transforma em cevada, amarelando as pontas dos dedos, aumentando a cintura, destacando as estrias e, realmente, tornando Narinha dependente de um sofrimento.

É quando ela foge e substima o que sente. Avisa que é uma dor de cotovelo, coisa de amor não correspondido, e que uma cotoveleira comprada em qualquer farmácia se não cura de vez pelo menos alivia. Então se percebe que Narinha quer manter a dor e o pensamento que a sustentam. Para dar tempo.

Só ela sabe que a cura depende de uma cirurgia na alma para consertar um desamor do passado ou extirpá-lo de vez com um transplante que coloque um novo amor lá dentro.

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