terça-feira, 8 de novembro de 2011

Conto - Jogo de aflições e de destemperos

O campo é enorme para o futebol do menino. As traves tem redes. O gramado é um tapete. A bola tem brilho e cheiro de novo. A camisa pesa. Parece cair pelos ombros raspando a pele. O pano do calção dança conforme se anda. Da cintura descem as pontas do cadarço que o mantém no corpo do menino. As meias, sem as dobras, cobririam as coxas. E as chuteiras incomodam. Pesam, seguram a articulação dos pés. As travas fincam mais do que deviam. O calcanhar pega e atiça o calo.

O time entra em fila indiana. O menino está lá no meio e segue o da frente automaticamente. Não fosse assim imagina que teria de ser empurrado. O técnico grita ordem na fila e mais rápido. É para correr e não andar. Um atrás do outro lá para o meio do campo. Sem bagunçar.

E ali naquela risca imaginária é só seguir o capitão, não tem como fazer errado. Quando todo mundo estiver parado cumprimenta a torcida. Juntos. Ninguém cumprimenta antes e nem depois. Vira para o outro lado e cumprimenta a torcida do outro lado. Também juntos.

E toma aqui a bola, sobra tempo para um aquecimento. Dá uma corridinha, acostuma os pés com a grama. Olha que essa bola está no calibre oficial. Não é aquela mambembe e amarrada. Ela foge dos pés se não tiver domínio.

Treina uns passes. Mande de bico para o gol. Recebe e ajeita, brinca com ela, não se intimida. Está com medo da torcida, menino? Agora é jogo, vamos lá, faz de conta que ela não existe. E vê se não titubeia. Aqui se der bobeira está morto para o jogo. Isso é disputa, vale ponto, se está com medo fale agora e nem começa a partida.

Você vai descer pela esquerda, tem que criar um corredor. E se vier o adversário olhe sempre para os lados, procura alguém para passar e receber lá na frente. Não tenta enfeitar e dar uma de bom. Isso aqui não é brincadeira. Divide com os companheiros, não seja egoísta.

Lá na frente, está vendo aquele de cabelo longo? Ele é mais alto que você. Mas tem que dar um jeito nele, na arte ou no esbarrão. Ele é grande mas você é melhor. Arte ou esbarrão tem que te dar vantagem. Se livra dele sem medo e lança. É um chutão sem frescura lá no meio, você sabe fazer isso. Se esqueceu mando logo para casa. Vai lá na arquibancada e assiste o resto do jogo com os pais. Comigo é assim.

E deu o apito inicial. A bola chegou a ele rápido. O menino desceu pela esquerda. A camisa desceu nos ombros. O cadarço do calção parecia solto. A chuteira ardeu no calo. E lá na frente o gramado pareceu a linha do horizonte. Longe, sem fim. A bola escorou no pé do primeiro adversário, que deu um gingado, enfeitou com a direita e passou correndo mais do que o menino podia. E o jogo acabou para ele na tentativa do primeiro ataque. Pesou nele a responsabilidade e isso o técnico não havia previsto.

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