segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Conto - Mais dessas coisas de ligações perigosas

O problema é que Adamastor era avesso a essas coisas de tecnologia e ganhou de Laurita um aparelho de telefone celular com tudo o que não se usa e só atrapalha quem precisa apenas do básico para se comunicar: atender e ligar. O de antes nem FM tinha. Era o botão vermelho para ligar e desligar, o verde para atender e os números para discar. E aquelas letrinhas junto com os números Adamastor nem se importava para que serviam.

Foi no segundo aniversário de namoro que Laurita presenteou o amante com aquele negocião que mais parecia um notebook. E cadê os números? Como se faz para ligar? Precisou Laurita dar uma aula e mostrar que o teclado qwerty era retrátil. Bastava uma leve pressão na base e surgiam as letras em branco. Mas cadê os números? Bem ali, em preto, junto com algumas das letras.

Em casa Adamastor informou à esposa e os filhos que havia tirado o novo celular numa rifa. Sabe, ação entre amigos, daquelas que nem se espera retorno e só se compra para ajudar um colega ou outro em dificuldade. 

E de repente sai a sorte. A rifa, na versão passada à família, custou apenas cinco reais. E o aparelho, segundo levantamento que a filha fez na internet, custava dez parcelas de noventa e sete e setenta e oito.
Foi por isso que Nilzete, esposa de Adamastor, queixosa e melosa reclamou ser pé fria até nas rifinhas de um real para sorteio de panetone. E Adamastor completou que só ganha quem arrisca. Que cara de pau! Ah, se Nilzete soubesse qual era o risco...

O novo celular tinha GPS, Wi-Fi, 3G, Bluetooth, porta-treco para cerveja, caniveteira elétrica, palito de dente, fio dental, cotonete, pinça para tirar pelo das orelhas, barbeador e só não funcionava tudo isso porque ficava nas mãos de um brucutu da tecnologia.

E daí começaram os problemas. Laurita gostova de arriscar e de colocar o amante em risco. Costumava telefonar lá pela meia noite e meia, sabendo que naquele horário Adamastor fazia o seu esforço para ser um homem presente na vida conjugal. Era difícil, mas ele comparecia sim. Pelo menos uma vez por semana acontecia, depois de Adamastor se inspirar em realidades lá de fora para chegar ao ponto e gritar, estou presente.

Para confundir Laurita, Adamastor variava os dias. Se na semana passada foi quinta, nesta jamais seria na sexta e muito menos na quarta. A sequência fugia estrategicamente do crescente e do decrescente. Então de quinta caia para o domingo, do domingo para sexta, da sexta para segunda. Assim havia menos possibilidade de numa ligação de Laurita quando a coisa estava em andamento.

Porque se assim acontecesse Laurita perceberia pelos vacilos na voz do Adamastor. E ela não pouparia. Xingaria, ameaçaria rompimento e viria com insinuações, do tipo: e se sua esposa fica sabendo de mim, heim?

E foi justamente na sexta que Laurita ligou lá pela uma da madrugada. Adamastor já estava de costas para Nilzete, após explicar que naquele dia não daria, o trabalho havia acabado com qualquer ânimo. Depois das insinuações Laurita apelou para o meloso, com o repetido eu te amo, o cansativo preciso tanto de alguém para fazer massagem, o enjoativo recurso de tentar causar ciúme: o vizinho estava me espiando pela janela e ele me viu nua...

Nervoso, Adamastor, no escuro, fazendo de conta que conversava com um colega infeliz com a troca de seção, tacou o dedo numa tecla e ativou o viva-voz justo na hora em que Laurita se queixava que enquanto ela dormia sozinha Adamastor tinha a companhia da esposa, aquela gorda de cara enrugada e cabelo de bruxa. Nilzete ouviu muito bem quando Laurita, sem dó, desferiu: ela parece um barrilzinho, acho que por isso você não larga dela...

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