terça-feira, 22 de novembro de 2011

Conto - Ladrão de poesias e de pretensões

Tantas canções e nada. Ele as roubava dos autores e delas extraia as letras para presentear pretendidas namoradas com mensagens que só os poetas sabem desenhar no papel.

Algumas acreditavam ser ele o dono da inspiração. Outras sabiam que as rimas e a métrica eram frutos de uma apropriação indevida. Havia as que evitavam conspirar e aceitavam o recado, retribuindo com um aceno: às vezes um encontro na saída da escola ou um passeio na praça do bairro na tarde de domingo.

Possibilidades! No amor adolescente isso tinha peso. E não se esperava muito daqueles primeiros contatos. Quando muito, um leve toque de mão e de sobra a agenda definida para o próximo final de semana. Na despedida, apenas um tchau.

Romântico e cavalheiro, o poeta dos versos emprestados condenava as paixões súbitas. No segundo encontro talvez um beijo e um caminhar mais demorado com as mãos dadas. No terceiro, outros beijos, mais profundos. E assim se mantinha, medido e calculado para o sentimento crescer com o tempo e ganhar consistência.

Algumas possibilidades chegaram ao quarto ou quinto poema, nunca mais do que isso. Houve quem merecesse, entre as pretendidas, autores mais refinados. Assim como algumas não passaram das músicas populares reproduzidas dia e noite nas emissoras de rádio.

Nem todas, porém, queriam uma relação feita de palavras rimadas. Preferiam o fogo do amor queimando nos abraços e nos beijos. Esperavam pela ousadia dele nos afagos, as mãos tocando pontos proibidos num descuido dos olhares alheios. E por falta disso logo se foram, deixando ele livre para ouvir novas canções, extrair as letras e encantar outras pretendidas com versos roubados.

Foram muitas músicas. Vãs tentativas de uma relação romântica num tempo de quentura que exige cada vez mais do físico e muito menos do sentimento. Para umas ele se tornou o grande amigo de confidências e desabafos. Pelo menos isso restou.

E lá vai ele, já com o peso da idade arcando o corpo. Sozinho, ainda ouve canções de outros tempos. E há músicas que trazem junto com as recordações a sensação nele de ter fracassado por não avançar, quando pode, os sinais do coração.

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