quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Conto - Correrias, histórias de medo e banho frio

As noites de inverno ainda eram de desafios para as crianças da Rua Juruá. As mães ameaçavam: “Se voltar sujo pra casa vai tomar outro banho com água fria da torneira lá no quintal”.

Intimidava. Mas nem sempre causava efeito. E lá ia a turma na correria caçar qualquer tipo de brincadeira. Se não bastasse a poeira das vias e vielas sem asfalto, a grama molhada do campinho de futebol encardia os chinelos e manchava as roupas.

No pega-pega os botões das camisas pulavam para longe. E depois se veria o que dizer em casa para justificar o descuido, ainda que a chance de sair impune fosse pequena. Puxão de orelha, no mínimo. É assim que os pais consertavam os erros dos filhos naqueles tempos.

Jogava-se conversa fora depois da canseira. Alguns galhos catados ao acaso serviam para uma fogueira, acendida com a caixa de fósforos pega discretamente de alguma cozinha. E a turma se acocorava ao redor para contar casos que os pais ouviram dos avós e que teriam acontecido com parentes de distante passado.

Histórias de dar medo. Da bola de fogo no pasto vindo em direção das pessoas que passavam; do enorme animal que pulava do rio e sentava na garupa das bicicletas quando o trabalhador cruzava a ponte no caminho de volta para casa; da mulher que cantava sem parar todas as noites numa mata ao lado do povoado, e do choro estridente de uma criança lá nas bandas de uma mina d’água que ninguém ousava visitar à noite.

E outras mais, todas com algum tipo de explicação. A corrente no sótão puxada de um lado a outro parece que fora usada contra alguém que perdeu a vida. As versões variavam: o patrão a usou contra um empregado que havia se engraçado com sua filha; ou o empregado teria feito justiça com as próprias mãos após ser maltratado por anos pelo patrão.

Olhos esbugalhados, meninos e meninas cruzavam os braços e se apertavam um no outro. E não era pelo frio. O medo mexia até com os mais corajosos. Subia um frio pela espinha que fazia tremer. Junto com as assombrações se misturavam cobras gigantes que o avô do pai de alguém abateu com um único tiro certeiro. E no descuido e falta de informação, houve quem inventasse ursos enormes quebrando janelas das casas das fazendas em pleno Norte do Paraná.

Nada, porém, mais assustador do que aquilo que todos esperavam acontecer lá pelas nove, nove e meia e até dez da noite, em ocasiões de mais tolerância: o grito dos pais chamando a meninada para se recolher. “Antes trate de pelo menos lavar os pés e as mãos lá no tanque de roupa...”

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