segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Conto - Distância e tempo, tempo e distância

A voz ao telefone é apenas amigável. Respeitosa mas longe, em nada se parece com aquela de tempos atrás. Velhos amigos, porém cansados, apenas se suportam e cumprem com a obrigação de se falarem de vez em quando.

É praticamente uma vida o que sustenta o contato. Um passado agora trocado por intervalos variados, porque ela e ele mantém em suas agendas os telefones um do outro na lista dos favoritos. O ontem foi realmente de mútuas prioridades. E as listas deixaram de ser atualizadas, com ambos mantidos em destaque.

Os telefonemas eram, no mínimo, diários. Nos bons tempos houve ocasiões de muito exagero, com um ligando e o outro respondendo duas ou três vezes de manhã, mais três ou quatro de tarde e quatro ou cinco à noite, no curto período em que não estavam juntos. E as madrugadas eram de valores elevadas nas contas pagas às operadoras de telefonia.

Valia a pena. Ela amava ele e ele amava ela. Assim se juravam e planejavam algo eterno. Loucura que não tem fim e se renova. Sem rotina para evitar desgaste. Como se cada contato fosse o primeiro.

Era desse jeito em tudo. No café da manhã, no almoço, na janta, no lanche da tarde, no passeio no calçadão, nas idas ao shopping, nas compras e na cama. Exceto os costumes teimosos e encralacados, o resto se pautava na fuga do que foi ontem para experimentar de um jeito diferente.

No sexo, até obscenidades passaram a ser consentidas. Da cama passaram ao sofá, do sofá foram para a área de serviço, da área de serviço optaram para a máquina de lavar. Até que desceram para a sala de ginástica do condomínio, onde a bicicleta ergométrica passou a comportar em alguns horários de pouca freqüência do local dois corpos no acento e quatro pés nos pedais.

Não se sabe se o que dava sentido a aquilo era o aparelho ocupado por duas pessoas ou a possibilidade de um flagrante. Ambos admitiam que as duas hipóteses eram válidas. Mas como nada podia ser repetido por mais vezes do que o necessário, havia o consenso da busca do mais interessante: no carro estacionado na garagem do prédio, na rua, na praia, na piscina, no escritório, no elevador e haja mais opções.

Quanto aos demais elementos da relação, há tempos não se tinha mais cabeça para fazer diferente. Café com mais leite, leite com mais café e pronto. Pão esquentado no microondas hoje e aquecido na chapa amanhã. Manteiga ou margarina. Suco de laranja ou melão. Por esta rua ou por outra. No mercado antes ou depois.

E foi crescendo um vazio. Não havia como criar nada de novo. No começo ambos negavam essa possibilidade, embora assumissem um comodismo. Para compensar, gastavam o estoque do inusitado no relacionamento físico. Com a janela aberta e a luz acessa, na porta do apartamento, na escadaria, com o carro em movimento e nada mais.

Decidiram evitar outras ousadias e o vazio foi mais sentido. O que acontecia várias vezes ao dia passou a ser diário. Não durou muito e virou semanal. E depois mensal, bimensal, trimestral e já faz tempo que eles apenas se conversam por telefone. Sem euforia e declarações forte, ambos se toleram como bons amigos. É o que restou.

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