sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Crônica - A quem me ensinou a desenhar letras

Bom dia dona Marilda! Acordo apertado por uma curiosidade: quantas pessoas aprenderam a ler e a escrever com a senhora? Veja que o ser humano, às vezes, tem que ser espetado com força para saber valorizar coisas importantes do passado. Confesso que é assim também comigo. Só me veio a indagação porque conferi no calendário colado à cabeceira da cama que hoje é 15 de outubro. Sim, Dia do Professor, isso nunca esqueço.

Então me pus a relacionar nomes de todas as pessoas que na minha vida escolar ocuparam a mesa em frente da sala de aula, com o quadro-negro às costas. Redesenhei perfis e momentos com muito critério. A hora da chamada, os instantes de fúria com os alunos bagunceiros, os óculos sustentados pelo nariz, a indignação pelo flagrante de uma cola, as estratégias diante da lousa para surpreender a turma que fazia guerra de papéis enquanto a professora ou o professor ficavam de costas.

Olha, dona Marilda! Tem nomes que não recupero. E sem nomes me fogem as fisionomias, o tom da voz, o jeito de lidar com a turma e muito mais. Fica uma vaga, como se eu tivesse pulado direto por aquela série. Tenho a impressão que esse esquecimento é um efeito psicológico: mestres que nada me acrescentaram estão fora do meu arquivo.

Sim, porque as professoras e os professores que consigo resgatar ou são merecedoras e merecedores de um apreço especial ou de uma raiva que não é aquela que machuca. É uma raiva que não consigo definir se é de mim mesmo. Verdade, dona Marilda! Não abrando e nem santo sou para posar de arrependido pelas travessuras que aprontei.

E me chegam alguns nomes: a professora Ana escolhia os meninos e as meninas mais bem vestidos para apagar a lousa, buscar giz na secretaria, chamar a diretora para a sala quando preciso. A professora Denise era diferente: nunca percebi preferências nela. Também nunca a vi sorrir. Exceto as diferenças físicas, a professora Conceição é outra que na consigo resgatá-la sorrindo. Como também tratava cada aluno com igualdade, inclusive os bagunceiros. Mas a professora Denise era mais baixa e gorda que a professora Conceição, exageradamente magra e bem mais alta.

E Edezina? Séria, mas nem por isso poupava o sorriso leve e meigo de vez em quando. Magra, quase mulata e de estatura média, conquistava sem fazer exageros a simpatia da turma. O professor Juliano tinha o perfil de um autêntico mestre. Mas aproveitava alguns momentos de descontração para falar de seu filho, o goleiro Ado, que chegou a fazer sucesso num grande time de São Paulo e foi convocado para a Seleção Brasileira.

Na mesma época veio o professor Olympio, com uma frase de costume manifestada após as perguntas respondidas pelos alunos nas argüições. Quando a resposta estava certa, o professor dizia: “Quem sabe o mal que se esconde atrás dos corações humanos”. No caso de resposta errada, ele perguntava: “Tem certeza?” E se o aluno respondia que sim, o professor Olympio completava: “Confessou, azarou...”

Já na faculdade, puxo o arquivo e trago os nomes da professora Luzia, da Sonia, da Maria Rosa, da Leange, do Chico, da Linda, do Robério, do Romélio e assim vai. A Linda um dia escreveu na minha prova que não era para eu ficar papagaiando. O Romélio, de curta passagem pelo curso de Comunicação da UEL, um dia me chamou num canto e disse que o meu texto era comunista. O Chico me levou para o primeiro emprego no jornalismo. A Leange me ensinou a diagramar no papel. A Luzia foi uma grande incentivadora.

Então, dona Marilda! Acha que o primeiro nome que citei é o seu por ter sido a minha primeira professora? Está enganada, isto seria muito simplista. Ainda tenho a imagem daquela professora jovem e determinada ensinando cada aluno da turma a desenhar as primeiras letras. E foi preciso uma data comemorativa para eu lembrar da senhora...


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