segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Conto - Todas as evidências são enganosas

Peças íntimas espalhadas no corredor dizem coisas. Relaxo típico de quem reparte a casa com a solidão, por exemplo. Ou pura mostração de quem quer dizer sem palavras que eu sou assim mesma. Na melhor das hipóteses resultado de uma noite de delírios e muita pressa, de roupas jogadas nos cantos para ganhar tempo.

Tudo é hipótese. Nenhuma das alternativas, porém, é válida para Evelise, mulher ainda menina para os trinta e poucos anos de vida. Ontem ela fez serão no serviço. Nada do que os impuros constroem sobre os outros. Evelise trabalhou além do horário organizando processos que deveriam estar em ordem nos primeiros minutos após o início do expediente.

E nem se deu conta quando alguém alertou que a meia fina estava rasgada na altura da batata da perna direita e uma voz masculina sussurrou maliciosa, em seguida: “E lá em cima tem algum rasgo?”

Curiosidade besta. Foi o único pensamento que veio. Em nenhum momento Evelise cogitou uma provocação, talvez uma cantada sem criatividade. Ou sondagem para medir a recepção: se responder com rispidez é jogo encerrado; se for o contrário é possível prosseguir.

Evelise não era de se jogar fora. Mas mantinha-se cercada por parâmetros de austeridade. Claro, com exceções criteriosas. Assim só saberia se as meias tinham furos abaixo ou acima, perto da linha de perigo, quem passasse pelo seu processo seletivo.

Foi por isso que uma amiga perguntou em determinada ocasião: “Então tem que passar por um concurso?” Não era bem assim, mas títulos valiam muito na escolha. Nada a ver com especialização, mestrado, doutorado e MBAs da moda, com cinco ou seis idiomas e muito prestígio no mundo acadêmico. Títulos financeiros, estes dariam um bom futuro. Então as coisas aconteciam muito raramente.

Outra amiga cutucava: “Se for rico a gente consegue transformar o feio no homem mais belo do mundo”. Conceito idiota em teoria. Na prática... “Bem, na prática eu chamo ele de mumuzinho”, dizia uma espevitada de uma colega.

Conversas de mulheres, não é Evelise? Então aquele comentário feito pela sua empregada, sobre uma noite de afobação e momentos de murmúrios, tem lá o seu fundamento. Quem diria...

Mas que nada. Ela saiu apressada pensando na montagem dos processos e na distribuição das tarefas para a equipe. Disciplinada, Evelise tinha que ser sempre a primeira a chegar ao serviço. Em caso contrário sentia uma espécie de decepção consigo mesma.

E na saída da porta do banheiro o bico fino das sandálias de salto chutaram o saco com as peças íntimas guardadas para lavar no fim de semana. Calcinhas, sutiã, meias e outras coisas ficaram pelo corredor.

E Evelise levou a fama na vizinhança de pessoa bem abastecida e resolvida. Se assim fosse...

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