terça-feira, 4 de outubro de 2011

Conto - O silêncio da outra guerra dos meninos

Então os dois meninos brincavam de guerra na calçada de um bairro residencial. Os postes eram barricadas e de um a outro só cimento no chão. Nenhuma planta para fazer de conta que a batalha corria num lugar de vegetação abundante, onde os troncos das árvores seriam escudos.

Era um confronto sem muitos recursos bélicos. Bans, buns e tatatás faziam o barulho de armas disparadas em seqüências que o fôlego permitia, além de bombas, canhões e metralhadoras cuspindo fogo sem cessar.

As armas eram imitadas com pequenas peças de plástico ou madeira. Até o cabo solto de uma panela servia. E nesse embate era regra: ninguém caia por terra, pois senão a brincadeira acabava. Mais tarde, quando a exaustão molhava as roupas de suor, os meninos encerravam a guerra sem vitorioso e sem perdedor. Nunca acontecia rendição de uma das partes, apenas havia a contagem, sempre inexata e impossível de comprovar, de quem atingira o outro por tantas vezes.

A matemática tosca e imaginária, feita sem lápis e sem papel, punha fim à batalha e ao conflito, sem que se soubesse o que havia originado a briga. Política econômica, disputa de faixa territorial ou ideologia, quem é que se importava com isso naquela guerra de sons feitos pelas gargantas?

Às vezes a batalha que se repetia todos os dias durava minutos. Outras vezes extrapolava a hora. Dependia do sol. Se fraco, permitia-se mais tempo. Se forte o cansaço chegava mais cedo. Com chuva havia uma trégua.

Também dependia das outras brincadeiras. Carrinhos em miniaturas soltas de cima da rampa em frente aos portões apostavam corridas. E pouco mais havia. Nem as pipas subiam na rua cujo espaço aéreo era tomado por fios de alta tensão, telefonia, internet e tevê a cabo. E bicicletas, lá fora, só quando acompanhados por adultos que prestam atenção no trânsito.

Então a guerra ainda não incomodava, apesar dos bans, buns e tatatás barulhentos. Até que um dia alguém indagou: “De onde é que estes meninos aprenderam a brincar de guerra? Que filmes os pais estão permitindo que eles assistam?”

As duas perguntas ganharam repercussão de um vizinho a outro. As balas disparadas por armas simuladas começaram a atingir os adultos. As bombas começaram a explodir em seus quintais. As metralhadoras passaram a atrapalhar os capítulos das novelas.

E a guerra acabou porque os meninos não puderam mais brincar de soldados. O cabo solto da panela foi para o lixo, pois arma, nem de brinquedo, deve cair nas mãos de uma criança.

Então ambos foram brincar no computador, onde os monitores mostram futilidades de adultos para meninos que, sem malícia e com imaginação, faziam de sua guerra uma brincadeira sem disputa.


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