quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Conto - O tempo das perguntas sem respostas

O peso é pouco e nem marca deixa no assento da poltrona de modelo antigo. Confortável, a peça tem braços em madeira trabalhada. Imita o colonial com certa perfeição, embora alguns traços denunciem a fabricação contemporânea pela falta de detalhes na produção com o uso de torno. Nada ali é artesanal, vê-se muito bem.

A senhorinha de cabelos grisalhos, miudamente acomoda nela, nem faz questão. O que importa é que tem encosto com inclinação e maciez na medida adequada. Nem mole e nem dura, evita que o corpo vergue e a espuma forme um côncavo ou um convexo. Fosse assim causaria dores nas costas em pouco tempo. Nem reta e timidamente diagonal, permite que o corpo fique quase ereto e não incomode a coluna.

A altura do assento parece ter sido planejada. As plantas dos pés ficam inteiras no chão. Não é preciso escorá-las pelos dedos ou, quando cansar, plantar os calcanhares para evitar que fiquem pendurados. É importante, assim, avaliar que a gramatura da espuma é da mesma forma adequada. As nádegas caem bem e as coxas das pernas se acomodam horizontalmente, sem alto e nem baixo.

Sim, os braços de madeira exigem improvisos. Duas toalhas, uma de cada lado, sustentam os cotovelos enrugados e aliviam a pressão. Nada mais do que isso é necessário. A senhorinha pouco exige. É o seu lugar de ficar quando não está deitada. Ela acorda cedo, muito antes do dia clarear. Mas só troca a cama pela poltrona quando os adultos despertam e alguém a carrega de um lugar a outro. Nem à mesa pode ir para o chá da manhã, as pernas não permitem. E vem a bolacha doce molhada no chá morno, tudo digerido numa velocidade muito menor do que o organismo exige.

E vem a higiene feita por uma mulher de expressão doce, mas calada. De nada adiantaria a empregada dizer qualquer coisa. A senhorinha não conseguiria responder. E vão as crianças para a escola. E saem os adultos para o trabalho. A senhorinha fica. Fica esperando o tempo passar devagar, para quando a noite esconder a claridade ela voltar para a cama, onde o sono chega rápido, mas vai embora depressa.

Então ela espera o sol esconder a noite para voltar à poltrona, onde o dia demora cada vez mais para acabar. E a poltrona é boa, mas se a claridade se alonga o corpo quer deitar. Assim vai a senhorinha confusa entre saber se o dia é bom ou se a noite é melhor.


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