quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Carta de um pai criança aos filhos adultos

Desculpem crianças! Este não é o meu melhor texto. Até tentei de outras formas, mas diante de vocês sinto a minha capacidade de escrita reduzida. Eu, que sempre vinculei o conteúdo da redação ao sentimento de quem escreve, emperro agora nas vírgulas, estes sinais tão corriqueiros e normais. Os parágrafos fecham devagar e invariavelmente tem que ser refeitos. Troco palavras e altero a estrutura da frase. Nada me convence.

Imponho-me, portanto, uma condição: será da maneira que sair e na forma que a espontaneidade permitir. Prometo que serei coloquial, embora receie fazer uso de palavras que são do meu tempo e soem estranhas e distantes para o vocabulário de agora.

Pois é. Seria tão fácil um diálogo... se tivéssemos insistido com aquela relação do passado eu pouparia esta carta. Conversaria, olho no olho, sobre as coisas boas e ruins. Os assuntos seriam variados e até divergeríamos em alguns sem constrangimentos e medo de contrariar um ao outro. Como nas brincadeiras de bola no campinho do bosque próximo de casa. Ou nos passeios familiares de bicicletas, cujo percurso dependia de muitas discussões para ser definido.

Duvido que vocês sintam hoje em dia a mesma nostalgia que eu. Na verdade a culpa é minha. Na medida em que vocês cresciam eu fui me afastando, preocupado com o nosso futuro. O financiamento da casa em aberto, a necessidade de ter um carro, a possibilidade de melhor emprego, a luta diária por mais renda foram me afastando das coisas simples que repartíamos nas horas de folga.

Ao mesmo tempo eu passei a enxergá-los como adultos. Fiz de você homens e mulheres precocemente feitos para as batalhas da vida. Deixei de comprar brinquedos ao supor que não havia sentido presentear adultos com coisas de crianças.

Sim, joguei responsabilidades e me portei como um gerente. Esqueci de administrar o outro lado, aquele mais frágil, feito um laço a enfeitar um pacote de presente. Puxado por uma das pontas ele se desfaz e sobra uma fita. Qualquer que seja a sua cor, se opaco ou se brilhante, dessa fita outro laço sairá com defeitos por não ser o primeiro.

São anos perdidos crianças! Eu, adulto, fiz vocês crianças se tornarem adultas. Jogamos tantos brinquedos fora. Quantas pipas deixamos de montar? Eu nem ensinei a vocês como usar a cera de abelha no barbante para deixar a fieira de rodar pião no ponto. Na época eu achava que os jogos eletrônicos eram suficientes.

Então! Cá estou, agora criança. Decidi recuperar pelo menos parte do que perdi, após dar com a cabeça em paredes e pouco ter conseguido nos projetos que me colocaram às vezes contra os patrões ou os colegas. Não fiquei rico, mas criei inimigos. Experimentei por mais de uma vez a solidão sem saber qual era a causa. Iludi e me iludi. Machuquei e me machuquei. Até busquei a fama na profissão e descobri que não sou nada.

Tenho ainda a chance de tê-los crianças, para que os erros que cometi não os peguem lá adiante? Asseguro que a pipa que eu montar hoje terá muito mais do que papel, varetas e linha para mantê-la no ar. Agora sou criança de verdade e vou confeccioná-la com amor.

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