sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Conto - O amor deixa marcas se não acontece

A última mensagem pediu um tempo. Tentou esconder no pedido de desculpas pela ausência um não vai dar. Mas as palavras e as entrelinhas foram entendidas. Como desfecho, a promessa que alivia o tom da despedida e não se cumpre; “Depois eu telefono...”

Faz muito tempo. Difícil saber se Letícia ainda espera. Às vezes ela estremece ao sentir a vibração do telefone celular na bolsa. Diariamente confere os e-mails que chegam na caixa de entrada. Justifica para si mesma que são hábitos. Resquícios de um tempo e de uma circunstância cuja herança ainda mexe e atormenta.

E se viesse uma ligação ou uma mensagem, qual seria a reação? Atender ou responder como se houvesse normalidade poderia ser vã tentativa. A voz denunciaria algum sentimento. E escritas, as palavras evidenciaram abalos.

O primeiro amor é eterno. Será? Letícia aceitava isso mais como uma concordância de conveniência nas conversas com as amigas. Recurso para encerrar assunto e falar de outras coisas. Mas o tema sempre tendia a ficar, encompridando, largando rabos que incomodavam.

Se bem que aquele tempo solicitado havia se perdido. Tanto que Leticia experimentou novas relações e nelas até se permitiu mais. O primeiro amor foi de beijos ardentes e afagos. Nada mais. O segundo foi mais. E mais ainda o terceiro, todos deixando marcas que não foram somente sentimentais, pois a sensação física foi intensa e presente.

Depois, um branco. Como se aquilo que se deixou para trás fosse um evento de momento. Então por que aquele namoro sem desfecho nos cantos escuros dos quintais pertuba tanto ainda?

Foi, na verdade, quase um amor platônico. E este costuma deixar rabisco grosso e extenso justamente porque não aconteceu. Talvez seja isso, pensou Letícia no justo momento em que conferiu o telefone e a caixa de entrada para ver se havia mensagens.

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