quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Conto - O coitadinho é pobre, feio e tão carente

A vida lhe deu bordoadas, isso é sabido. Vê-se na expressão que pula de segundo a outro do matreiro ao angustiado. Os olhos carregam no tom questionador, mas há quem confunda estas mudanças.

Faz um tico de tempo e uma dessas manifestações equivocadas sobressaiu. Disseram, algumas mulheres, que ele tem cara de tarado enrustido. Chegaram a afirmar que é daqueles que assombra, amoita e fica pronto para dar o bote. E que quando agarra a presa vai às profundidas e arma no coração dela uma sobrecarga que pode levar ao circuito.

É muito folclore, embora ele tenha lá o seu jeito de lidar com as mulheres. Começa com a postura de coitadinho, aquele com o coração despedaçado de tanta solidão. Carente, e isso é muito verdade, como reflete a cara tristonha de pedinte de amor e compreensão. E de repente surge ela, a presa, disposta a catar cada pedaço daquele coração desmantelado e colar, pacientemente, tratando de acertar com a lixa fina do apreço qualquer saliência que denuncie os reparos. Então ele age.

Que injustiça. Também disseram outras que ele é um maníaco. Que depois da conquista apressa-se no descarte. Que satisfeito com estas sequências vangloria-se intimamente e despreza-as, como se nada tivesse acontecido.

Tudo mentira. Ele é um sujeito singularmente acomodado nessas coisas. Mas admite que é sucessivamente incomodado por assédios femininos e, na fraqueza, cede. Garante que nunca percebe quando a coisa acontece mais ou menos assim. Ele, uma pessoa simples, pobre e feia, entrega-se às mulheres como um amigo sem mais pretensões. De repente, sente-se envolvido e amarrado aos sentimentos delas, que solicitam amor. E sem saída sucumbe.

Versões tantas. Cá entre nós é possível acreditar nas duas partes. Na delas cai-se fatalmente na do come quieto e ele é bem isso mesmo: arma com jeitinho e manda ver. Na dele é por ser muito compreensível mesmo: o cara é realmente pobre do bolso, feio de rosto e nem músculo para elas admirarem existe naquele corpo.

Sobra então a terceira parte, esta confidenciada por uma amiga: o cara tem uma alma rica de conteúdo. E nos afagos faz qualquer uma tremer de ponta a ponta enquanto vira os olhinhos. E lá vai ele, achando-se vítima daquilo que ele chama de bordoada após cada telefonema de uma delas reclamando da falta de assistência.

  

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