terça-feira, 25 de outubro de 2011

Conto - O amor platônico é a marca que fica

Foi um amor platônico porque não aconteceu. Nunca houve beijos e afagos. Mas sobraram vontade e intenção. Nada mais além disso, pois as portas da possibilidade se fecharam sem estrondo, porém rápidas.

Cecília sabia disso e aceitava. Nas aulas de filosofia omitia-se quando o tema versava sobre essas coisas. Amor socrático. Ou amor platonicus, como se utilizava lá, muito longe, nos séculos passados. Em ambos os casos, o amor sem motivo para o pudor. O amor da amiguinha pelas amiguinhas. O amor do amiguinho pela amiguinha. Podia ser o amor da mãe para o filho. Ou do filho para a mãe. Enfim o amor sem pretensão física, de irmão para irmão, colega para colega. Na palavra espetada e direta, amor sem sexo.

É, porque há quem diga que uma coisa tem a ver com a outra. Cecília, porém, tinha um conceito muito bem alicerçado. Em circunstância normal rebatia com firmeza a todos que se referiam ao sexo como amor. Do tipo, fiz amor com o meu namorado. Ou a minha namorada queria fazer amor comigo ontem. Como se o amor fosse algo a ser feito. Amor é sentimento. Sexo sim, se faz.

Às vezes Cecília até aceitava quando alguém dizia que sem amor não havia como ter sexo. Mesmo admitindo que este tipo de fala é discursivo. Pois se não houvesse sexo sem amor a prostituição iria à falência. Isso é coisa só de homem? Cecília era uma pessoa de bom senso. Para ela, a necessidade física confundida como amor é comum a todos os gêneros. A diferença é que a mulher é mais segura e, portanto, controlada. E muitas vezes essa postura é reflexo do que a própria sociedade pensa: quando o assunto é sexo, mulher não pode fazer o que o homem faz.

Isso era o cúmulo para Cecília. Pensamento arcaico e discriminatório. Postura de atrasados. Cultura de rodapé. Ela mantinha que mulher faz e pode sim senhoras e senhores. Mas desde que por vontade e ciente que vai extrair daquilo resultados desastrosos. Como o nojo por ter encontrado um parceiro porco. O vício pelo fato do parceiro ter sido satisfatório. O medo porque o parceiro não soube quebrar a dor com o prazer. E enfins.

No nível dela, Cecília, uma moça de pouca leitura, músicas de emissoras FM e filmes de televisão, poderia se dizer que eram conceitos avançados. A própria defesa dos direitos iguais, inclusive na prática do sexo, era demonstração disso.

Mas perpetuou-se que a teoria era tanta que a prática sempre dava em frustração. Cecília curtiu um amor platônico por um rapaz por quase um ano. Ela nunca se declarou. E quando ele se foi por algum outro motivo Cecília se tocou que havia perdido muitos beijos, abraços, afagos e sexo do melhor por ter cultivado um amor que não é transformado em acontecimento. Soube-se, tempos depois, que o rapaz nunca desconfiou do amor platônico de Cecília por ele. Aliás, ele sim tinha um sentimento platônico por ela e, por isso, a considerava como uma irmãzinha.

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