segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Conto - Quando a loira Luciana se chama Antônio

Nem a lua da unha Marina enxerga hoje. As mãos estão sem trato e adquiriram uma aspereza irritante. Parecem encapadas em luvas de lixa grossa, tão salientes que dariam para alisar os calcanhares que não permitem mais o uso de sandálias.

Há certa consciência sobre o descuido físico. Marina relaxou a partir daquele momento. Entregou-se ao desmazelo de si própria. Permitiu que a manta da estima chegasse ao chão por motivo banal, o amor, como disseram pessoas próximas.

Deu motivos para comentários inclusive irônicos. Maldosos, houve quem perguntasse sobre a situação das axilas, que esconderiam tufos de pelos. E das outras partes, sem as depilações que eram rotineiras, imaginaram que houvesse uma mata.

Comentários de gente sem ter o que fazer. Pessoas que procuram desgraça para alimentar boatos. Ao ponto de dizerem que ela tinha buço, aquele bigodinho marcante que se esconde com um bom produto de maquiagem e acertos da face.

Marina namorou Camilo por dois anos e uns sete meses, se contar que tudo começou num jantar de confraternização de fim de ano que reuniu afetos e desafetos de um mesmo ambiente de trabalho. Loucura esse tipo de acontecimento. O sujeito briga o ano todo com colegas e depois é obrigado a trocar presentes.

Oficialmente o namoro foi de pouco mais de um ano e meio. Em seguida o noivado. E já se falava em casamento. E olha que Marina nunca foi de se desprezar. Morena, estatura média, cabelos exageradamente lisos depois da chapinha, mas ajeitáveis sem ela. Nem gorda e nem magra. Um tipo apresentável. Dependia da roupa que usava, mas às vezes chamava atenção.

O próprio Camilo dizia que Marina era um tipo de mulher que fisicamente não tinha aquela belezura de endoidar. E se gabava pela parceira não ser daquelas de resvalar em libidos. Para o noivo Marina era apenas bela, ajuntando belezas do corpo e da alma.

Parecia uma relação consistente. Beijinhos de despedida de manhã, telefonemas na hora do almoço, abraços e beijos no encontro do final de expediente, benzinho pra lá, fofinha pra cá, flores, restaurantes e planos do tipo de gesso para a sala de jantar.

Até que surgiu Luciana, nova vizinha de frente do apartamento onde Camilo morava no décimo segundo andar de um condomínio de classe média. Loira, alta, corpo de modelo, olhos azuis quando o sol batia de frente e verde quando se punha atrás das nuvens, esta mulher de uns quarenta e poucos batia realmente em muitas meninas de vinte.

Camilo era do tipo galanteador e metido a besta. Se com as vendas da empresa fazia uns mil e oitocentos de comissão, nas conversas com os vizinhos multiplicava por três, no mínimo, além do fixo, só para dizer que estava estabilizado. E Luciana vislumbrou um bom partido.

Coincidências no elevador para catar o molho de chaves que ela deixava cair, encontros inesperados na garagem do prédio, idas ao supermercado próximo no mesmo horário e batidas na porta para emprestar chave de fenda, trocar uma lâmpada ou desligar o chuveiro que estava com problemas tornaram-se rotina.

E foi mesmo no banheiro de Luciana que Marina pegou Camilo. Lá estava ele, de bermudão e sem camisa, acertando a temperatura da água de Luciana, que na verdade se chamava Antônio e sem a peruca era um ruivo siliconado.

Foi o bastante. Marina, que sustentava até a possibilidade de ser traída pelo parceiro por qualquer outra morena, já que Camilo sempre dizia que detestava as loiras, não suportou ser trocada por um homem. E relaxou. A ponto dela mesma admitir que a partir daquele epsódio só namoraria com outra mulher. E olha que aquela vizinha da esquina em frente anda falando que Marina dá um bom caldo.

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