terça-feira, 18 de outubro de 2011

Conto - Água e esfregão só eliminam manchas

O café derramado na camisa branca nem mancha deixou no tecido. A peça foi lavada com urgência, na unha, com o esfregar típico de mãos firmes que eliminam o encardido mesmo que as mãos enruguem com o excesso de água.

Foi um acidente, esta seria a explicação conveniente. Na verdade, um esbarrão de passagem. Mas é de se considerar que havia espaço suficiente para dois corpos se cruzarem sem atrito. O líquido preto e quente espirrou na batida e caiu na altura dos peitos, descendo escuro pela barriga.

Alguém viu de longe a cena e imaginou que era uma agressão: em vez de um soco, uma copada. Elizabete nega ter havido intenção. Aliás, ela garante não lembrar de nada. Admite que estava com muita pressa e diz que não sabe se estava com o café na mão. Nem imagina ter esbarrado em alguém. Portanto, desconhece ter sujado a camisa branca de Leandro.

Ambos mantinham um namorico, algo que começou com uma palavra, passou para duas, subiu para três e ganhou jeito de capítulo que nunca acaba. Antes secreto, aquilo passou a ser percebido mesmo antes da admissão de ambos. E vieram as conversas maldosas, as ironias e as insinuações a espetar o sossego do ambiente.

Como também as provocações. Tanto Elizabete quanto Leandro passaram a ser mais assediados por colegas. Eram formas de trazer a situação à tona por descuido de um dos dois. Diríamos que Elizabete passou a receber cantadas, na cara dura, de homens que ela nunca havia percebido se interessarem por ela. E Leandro até abraços mais demorados passou a merecer de algumas meninas.

Mas os namorados secretos decidiram segurar-se sobre a onda, embora aceitassem que algumas provocações iam longe e criavam constrangimentos e até ciúmes. O café na camisa branca foi resultado disso.

Eleonora provocou Leandro com um beijo no rosto dado sem ocasião que o justificasse. Elizabete viu e ficou cega. Partiu em direção aos dois com o firme propósito de acabar com a palhaçada. E nem precisou de um esbarrão para fazer o líquido espirrar do copo plástico. Ela só errou o alvo. O café era para atingir os dois, mas só Leandro ficou manchado.

Sorte que a água devolveu a alvura ao tecido. O duro foi o rapaz ser acusado de ter dado mole à colega que o beijou na face, quase na boca. E faltou mesmo muito pouco, nisso Elizabete tinha razão.

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