quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Por trás das metáforas e das entrelinhas

“Tenho nos olhos quimeras / com brilho de trinta velas / do sexo pulam sementes / explodindo locomotivas / tenho os intestinos roucos / num rosário de lombrigas / os meus músculos são poucos / pra essa rede de intrigas / meus gritos afro-latinos / implodem, rasgam, esganam / e nos meus dedos dormidos / a lua das unhas ganem...”

O trecho da música E Daí?, de Milton Nascimento e Ruy Guerra, é uma espécie de perfeição quando se fala em metáforas e entrelinhas. Recursos muito usados na poesia e na música a partir de 1964, para driblar a censura imposta pelo Regime Militar, a figura de estilo, mais apropriada à metáfora, mobilizou brasileiros por vários anos nos shows organizados pelos movimentos de oposição.

Mesmo fora desse círculo algumas canções chegaram a ser executadas em programações das emissoras de rádio e ganharam popularidade. Cálice, de Chico Buarque, é um exemplo:

“Como beber dessa bebida amarga / tragar a dor, engolir a labuta / mesmo calada a boca, resta o peito / silêncio na cidade não se escuta / de que me vale ser filho da santa / melhor seria ser filho da outra / outra realidade menos morta / tanta mentira, tanta força bruta...”

E relacionam-se mais. Taiguara, que cantava o amor, é um dos artistas brasileiros que mesmo com as metáforas e as entrelinhas sofreu muito com a ditadura militar ao se colocar contra as arbitrariedades da época. Diferente de Geraldo Vandré, que quando compunha uma música de protesto era direto. Pra não dizer que não falei das flores foi uma mensagem esfregada na cara do sistema. Geraldo Vandré pagou caro por essa coragem. Enfrentou tortura e exílio político. Retornou ao Brasil após a abertura e não quis mais saber de canções.

Se no Brasil a censura ditava o estilo, em outras partes as metáforas também tinham prestígio. Joan Baez, conhecida como a voz de soprano que encantou os grandes shows da época do movimento pacifista norte-americano, lançou em 1975 a música Diamonds And Rust, que havia sido composta no ano anterior.

Quase quatro décadas já se passaram, mas ainda há divergências em relação à letra pelo menos em um ponto: Joan Baez escreveu Diamantes e ferrugem pensando em seu ex-marido, David Harris, ou em seu novo amor, Bob Dylan?

No trecho abaixo a tradução é baseada na versão gravada por Judas Priest, que fez pequenas alterações na letra. Mas a essência é a mesma:

“...agora você está me dizendo que você não está com saudades / então me dê outra palavra para isso / você era melhor com palavras / e em deixar as coisas vagas / porque eu preciso daquelas coisas vagas de novo / tudo isso volta claramente, sim, eu te amo / e se você está me oferecendo diamantes e ferrugem, eu já paguei...”

 Claro, a metáfora de Diamonds And Rust não foi para driblar a censura política. Foi para acomodar os conflitos de um coração. Com esta música Joan Baez abre alguns de seus mais importantes shows, inclusive cantando versão em japonês.

 Agora, cá pra nós, as nossas metáforas são bem mais estilosas, concordam?

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