quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O meu casaco tem zíper no bolso e muito amor

Luiza costurava a vida numa máquina de pedalar. Preta, a velha Vigorelli era a sua ferramenta de trabalho. Rústica, a danada não deixava a costureira falhar na entrega da sua produção. Em linha reta a bichinha ajuntava os panos sem entortar, parte por parte, até ficar um vestido. E só faltava o acabamento a mão, que além da agulha, da tesoura e da linha dependia do capricho e dos óculos de enxergar perto.

A fita métrica tinha lugar certo. Como um xale, envolvia o pescoço com as pontas jogadas à frente. Era um modo de manter o indispensável sempre perto. Conferir a medida era uma prática. De uma casa a outra, para que os botões ficassem na mesma distância. Ou de todas as caídas da saia, para garantir comprimento igual em toda a circunferência.

O tempo ditava a moda e Luiza mantinha uma meia dúzia de figurinos, com revistas raramente atualizadas. Algumas freguesas recorriam a elas para fazer seus modelos. Havia improvisos: a parte de cima de um desenho, a parte de baixo de outro. Atrás de um jeito, a frente de outro.

Desenhado numa folha de caderno, o modelo ganhava as medidas: quadris, busto, altura das mangas, cintura, comprimento. Haveria depois uma prova, quando as freguesas pediriam para ajustar mais aqui, dar uma folga ali, franzir menos, trocar o zíper por botão, fechar mais o decote.

Sim, algumas faziam a prova acompanhadas dos maridos e até para definir o local dos joelhos onde a barra deveria ser dobrada dependiam de consentimento. Se ele achasse que não, dobrava-se mais embaixo marcando com agulhas de cabeça.

E ela, numa distração do companheiro, sinalizava com as mãos que a costureira devia subir dois dedos, três dedos, um dedo ou algum tiquinho. Só para o vestido pronto ter sabor de vitória, além do prazer de uma peça nova a ser usada na próxima festa que houvesse.

Luiza casou costureira, criou os filhos costureira, viu netos nascer costureira e morreu costureira. Eu guardo um casaco de veludo que não me cabe. Guardo porque foi ela, minha mãe, quem costurou.

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