quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O silêncio é, às vezes, um grito forte e agudo

Quando ela sorri nem sempre o sorriso é interpretado como um sentimento de alegria. É apenas um aceno, como se ela dissesse um olá, como vai? O olhar é sereno. Os lábios apenas esboçam leve movimento. Então não se sabe se Leonice está feliz. Ou se ela disfarça um choro que não é de lágrimas.
Talvez Leonice carregue no trajeto de casa ao serviço muito mais do que a bolsa cujas alças pressionam os ombros com força, de maneira que aquilo não seja cobiçado por algum descuidista. Os mesmos ombros devem arcar com o peso de preocupações diversas: as crianças despachadas para a escola, o aluguel da casa, a prestação do sofá, o vencimento da conta de água e o atraso no pagamento do salário, por exemplo.

Sim, um parceiro em casa para dividir as contas e repartir alguns momentos de alívio. Ou Leonice é só? Talvez a falta de um sorriso tenha a ver com solidão. O que se sabe dela é aquilo que se vê. E não há intimidade tanta para perguntar se ela é feliz ou triste. Haveria alguma oportunidade para fazer uso da solidariedade e indagar? Qual o risco da atitude ser confundida com curiosidade vulgar?

Leonice aparenta uma idade que depende da roupa que ela usa. Quarenta, cinqüenta ou pouco mais. Não há rugas no rosto, a pele é lisa. Mas há, com certeza, rastros na superfície morena de muito sol ao longo dos anos, chuvas de temporada, frio, vento gelado e suor. Talvez até lágrimas que não se vejam de dia, mas desçam à noite. Quem é que sabe?

Hoje ela desceu do ônibus e seguiu pela avenida até a casa onde trabalha como doméstica. No caminho passou por uma escola, onde alunos enfileirados cantavam o Hino Nacional enquanto a bandeira era hasteada. No tempo em que reduziu os passos para assistir de relance a comemoração da Semana da Pátria ouviu, após a música, alguém declamar um poema sobre o grito às margens do Ipiranga.

Leonice caminhou impassiva, ainda devagar. Parece que sorriu. Há, porém, quem diga que aquilo foi uma expressão de tristeza. E se imaginou, entre as dezenas de pessoas que faziam o mesmo trajeto, que aquela mulher manifestou em seu silêncio um grito muito forte. E de tão forte aquele grito despertou a atenção de pessoas que enxergam as expressões de outras pessoas e se perguntam: Por que tanta alegria? Qual a razão de tamanha tristeza?

Pensei o dia todo que aquele grito foi por liberdade. Diferente daquele da margem do Ipiranga, o grito da liberdade, o de Leonice ecoou mais longe.

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