quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Conto - A guerra da alma dá vitórias estranhas

É uma ponta de faca e não se vê o fio, se corta ou apenas fura, se desfalece ou cambaleia sem levar ao chão. Brilha e amedronta, tem na mira o coração. Mesmo que não o atinja fará sangrar. Então será pelo vazio da alma, em prantos, de uma hemorragia impossível de conter. 

Melhor seria a outra forma, imaginam eles. Tombar e não mais sentir, mesmo que haja outra vida pra lá do fim. Quem sabe a dor que não é da ferida exposta alivie. Talvez cicatrize e nem deixe marca que lembre o que deve ser jogado.

Se há resgate de algum momento fariam com pinça. Catariam um por um até encher o frasco do suficiente. Nada mais interessa, diriam. Nem haveria ponderação sobre isto ou aquilo, guerras, perguntas, cobranças e provocações da lista das coisas não resolvidas.

Pendências nestas questões são dívidas que nunca acabam. O saldo será sempre negativo mesmo que o valor pago tenha contentado na hora do acerto. Depois aparecem novos cálculos e mais cobranças. E volta o montante a incomodar.

Foi bem assim. Situações pequenas ficaram grandes. O beijo esquecido na despedida após o almoço. O nome suspeito na agenda. A ligação telefônica estranha. As desculpas pelos atrasos, a indiferença, a irritação e o tom da voz a denunciar impaciência.

Se é de pinça que cataram as frutas, estas são apenas cenas rápidas no filme que produziram juntos. Começaram com acenos que transformaram em possibilidades. Foram sins e concordâncias. E nem perceberam quando aquilo virou amor e deu fogo à paixão. Só isso.

Na parte que tem que ser filmada, os capítulos serão longos. Enquadrarão que um dia perceberam a paixão apagada. Depois assumiram o amor como um convívio. O respeito mútuo virou obrigação. A intolerância ganhou espaço. E o cotidiano registrou defeitos que nunca antes um tinha visto no outro.

E a ponta da faca alertou. Passava da hora. Foram por caminhos opostos a procura do que não sabiam o que era. A hemorragia passou, mas o coração ficou um buraco estranho de explicar o que é.

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