terça-feira, 30 de agosto de 2011

Vestir, calçar, usar, chacoalhar, colar nas costas...

Excentricidade. A palavra soava diferente para Doralice. Ela, que vivia a conveniência e seguia a vida de acordo com as regras, num padrão que incluía as novelas da televisão, os programas domingueiros de auditório, os cortes de cabelo ditados pelas revistas especializadas e as roupas de tons e tipos recomendados pelos desenhistas de moda, tinha certa pretensão de praticar aquilo que a palavra definia.
Vez em quando, nos devaneios dos finais de dia, Doralice se perguntava: “O que é ser excêntrica? Como posso ser uma pessoa excêntrica?” As respostas que ela mesma se dava migravam para versões variadas. Algumas tinham algo a ver. Outras eram a própria excentricidade. Mas havia aquelas que passavam longe.

Morar longe da zona urbana, numa casa com quintal de chão e rua sem asfalto. Isso era excêntrico? Claro que sim, desde que a pessoa que fizesse a opção fosse um milionário cansado de viver numa mansão de concreto, ferragens, vidros e metais. E de tão entediado com o conforto e a sofistificação trocara o bairro nobre por um puxadinho meia água na periferia. Isso seria excentricidade, até porque uma das definições da palavra é esta: longe ou fora do centro.

Quanto ao contrário: trocar o aluguel de quatrocentos reais de uma casa na periferia, em rua de asfalto esburacado, por um sobrado de mil e quinhentos reais em bairro nobre. Esse exemplo dá margem para divagações. Doralice testaria duas alternativas: a primeira é a do cidadão milionário do parágrafo anterior ter se refeito do tédio e decidido voltar ao seu ambiente. Isso seria excêntrico ou constatação de arrependimento?

A segunda alternativa mostraria o cidadão simples, com um salário de novecentos reais alugando um sobrado de mil e quinhentos. Excêntrico? Claro que não. Louco, irresponsável, sem noção. Essa hipótese, a própria Doralice admitia, nunca passaria à prática. Pois qual imobiliária aprovaria o cadastro e fecharia o contrato de locação?

Então Doralice foi para opções mais simples: usar um boné? Descarte, isso é coisa de mano. Sair com um agasalho longo, tipo casacão, neste inverno de Londrina que bate trinta e quatro graus? Depende. Uma figura colunável, destaque rotineiro dos melhores jornais da região, seria excêntrica com ou sem o agasalho. Um pobre, diriam dele, não tinha outra coisa que vestir.

Até nas alternativas novelescas Doralice pensou: gravata, terno e tênis, por exemplo. Ah, mas isso é só para quem está entre as aspas. Num cidadão comum os comentários seriam de que o metido a besta nem sabe se vestir.

E Doralice, por aquele dia, concluiu que ser excêntrica depende de interpretações alheias. E que o olhar dos outros no que você veste, calça, usa, pendura, chacoalha ou cola nas costas varia muito do seu status social.

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