segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Conto - Convivência...

Ednalva amava Rodolfo. Era assim que a moça, lá pelos seus trinta anos de idade, entendia aquela relação antiga. Namoraram por nove anos e foi que um dia ele apareceu com o par de alianças. Sem ritual e cerimônia as argolas brilhantes e largas ganharam os dedos anelares da mão direita de ambos no mesmo instante. Nem uma troca de beijo depois. Muito menos uma fotografia para eternizar o momento.
Lindalva, irmã mais nova da noiva, às vezes se pegava indagando: “Como é que pode? Os dois parecem geladeira. Um pra lá, outro pra cá...”

Sim, o desinteresse era recíproco. Um desleixo das duas partes, como dizia sem rodeios a vizinha Eliandra, após justificar que não era intenção falar da vida alheia, mas o caso de Ednalva e Rodolfo exigia comentário até para que houvesse algum tipo de intervenção: “Se não for por Deus alguém vai ter que dar um toque...”

O desleixo citado pela vizinha era exclusivamente visual. Há uma década Ednalva era uma morena de cabelos aos ombros. Nem magra e nem gorda, caprichava nas roupas e nos retoques da maquiagem. Não era uma deusa, mas despertava a atenção de meninos da mesma idade.

Rodolfo, fiel centro avante do time do bairro, calçava as chuteiras todos os sábados para defender a agremiação no campeonato citadino. E isso garantia um porte físico quase de atleta, embora a barriga escorregasse para fora do cós das calças por culpa da rodada de cerveja cuja saideira sempre sofria adiamento.

Agora, com a relação de namoro oficializada por um par de argolas, Ednalva era uma noiva de trinta anos com aspecto de uma mulher lá de seus quarenta e poucos, quase cinqüenta. Rodolfo já caminhava devagar, meio trôpego, balançando a papada e expondo enormes bolsas na pele abaixo dos olhos. Os cabelos de Ednalva, antes ajeitados no cumprimento certo e sempre alisados, agora ficavam presos na nuca por uma tira de pano. E faziam a moldura de um rosto rechonchudo.

Com certa razão uma tia de Rodolfo alinhavava que era falta de estima. “Acho que os dois nunca se gostaram. E assim se entregaram ao desleixo. E olha que agora não tem mais como voltar atrás. Pra arranjar outro namorado ela precisa emagrecer uns trinta quilos. E ele, coitado, parece um velho gordo esperando a hora da morte”.

Tinha razão a tia. Ainda assim era reprimida por outros parentes quando tocava no assunto: “Credo, Gelcia! Não estou te conhecendo. Isso é comentário que se faça?”

Agenor, um primo de Rodolfo, um dia prometeu aos familiares que iria tomar uma atitude por ambos: “Vou ter uma conversa séria primeiro com o Rodolfo e depois com a Ednalva. Se eles não estão afim devem terminar o noivado agora mesmo”.

Primeiro foi com o Rodolfo: “Escute aqui, primo. O que rola entre você e sua noiva? Parece que vocês não estão nem ai um com o outro.”

Silêncio. Minutos de espera. Agenor insiste: “E então? Estou aqui para trocar idéia”. Rodolfo enxugou o suor da testa com a costa da mão e, em seguida, usou as unhas do polegar e do indicador para arrancar um pelo do nariz. Só então respondeu: “Ué... parei de jogar bola pra ganhar estes quilinhos e há mais de seis anos nem sexo faço com a minha fofinha. Todo esse sacrifício foi para a gente engordar e ficar assim. Quero chegar aos 150 quilos e ela, nesse ritmo, logo atinge os 110. Assim nem eu nem ela teremos encanação com ciúmes...”

E ficou entendido que Rodolfo não pretendia conversar sobre um assunto que para os outros era uma cruz cujo peso moldava aquelas duas pessoas. Para ele, quem é que sabe se aquilo era bom ou ruim? Agenor desistiu de ter uma conversa com Ednalva e indagado sobre os resultados de sua missão, saia de fino e deixava as pessoas de boca aberta.

Ednalva e Rodolfo não se casaram. Mas foram morar juntos. E não se ouve um sussuro naquela casa quando os dois estão dentro dela. O parentes dizem que ambos convivem bem e engordam cada vez mais.

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