quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Crônica - Enfim, a vencida história do Zé

O fogo apagou e das cinzas poucas restaram. Foram levadas pelo vento e lavadas pelas enxurradas. Choveu depois daquilo tudo. Uma loucura de agenda, cheia de ir e vir e chegar sempre ao mesmo lugar.

Alguém disse que o Zé foi um leão. Não se sabe a que leão esse alguém se referiu. O leão que comanda um time de futebol e mais do que rugir rosna? O leão do fisco que sorrateiramente vigia todas as suas contas? O leão do circo, aquele que se faz de manso mas nem o domador sabe quando a mansidão escoa? O leão enjaulado num zoo, preso feito um mico dourado?

Ah, entendeu-se que o leão do Zé é aquele da selva. Rei, dominador, supremo no meio da mata. Juba avermelhada, olhar fixo, babando diante da presa. Feroz e absoluto. Dono do pedaço. Porém cordeiro diante dos disparos das armas de fogo. Caça e caçador, caçador e caça.

Então o Zé, que naquele passado de privilégios viveu de regalias, de repente se viu só no meio da selva urbana. Acuado. Solitário, embora rodeado de pessoas que passavam-lhe o lenço para enxugar o suor e rebatiam com as costas das mãos os ciscos do paletó.

O Zé, na verdade, virou personalidade. E toda personalidade vive cercada de admiradores. Ou nem tanto. Alguns que cercam pessoas como Zé fazem isso por algum tipo de interesse. Alguns? Muitos.

Mas Zé queria ser mais personalidade que qualquer um. E numa disputa se deparou com alguém que era tão personalidade quanto ele. Por isso lotou a agenda de idas e vindas. Para apertar mãos, demonstrar força, ser como o leão da selva, o rei.

Imaginou nessa empreitada que as pessoas que o cercavam queriam ajudá-lo a ser mais personalidade que o oponente. Ingenuidade. Alguns até queriam o Zé supremo, mas para dele tirar proveito.

E o Zé, coitado, no meio da multidão se viu só. Foi alvo de bolinha de papel, levou rolo de adesivo na cabeça e finalmente aniquilado com rajadas verborrágicas certeiras. Fino e educado manteve-se de pé o quanto pode. Quando reagiu descendo ao nível das provocações foi contra a própria vontade. É que as pessoas que o cercavam, algumas delas especialistas em embates fúteis, o convenciam até à exaustão. E o tiro voltou para o atirador, como se arma estivesse apontada para a própria cabeça.

Enfim o Zé sucumbiu num Dia D, desfalecendo diante do julgamento a que foi exposto: o Zé não serve para ser a nossa personalidade, o Zé é fraco, o Zé não é um leão. Assim o Zé foi derrubado, solitário no meio de toda aquela gente que fazia cara de tristeza na tentativa de demonstrar solidariedade.

O Zé perdeu o trono e o rumo. Nem chegou à praia para morrer. E muita gente que deitou as costas das mãos no paletó dele para derrubar cisco deve estar na outra fila, com espelho de bolso na mão, uma coleção de batons e muita cara de pau para reverenciar uma nova personalidade.

A vida é assim mesmo, Zé. Vai dizer que você não sabia?

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