quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Crônica - E a Zezona, nada?

Silêncio total. Nenhum porém. Absolutamente ninguém contestou ou elogiou. Mas, diante daquele espelho com manchas de pasta dental e pontos de ferrugem, o sujeito do lado de fora do vidro encarou o sujeito do lado de dentro. Ou foi o contrário? O sujeito do lado de dentro do espelho olhou para o sujeito do lado de fora?
Coisa de louco isso. Mas reflexo da realidade, já que reproduz exatamente o que se vê de um lado e outro. Primeiro se admiraram. O de fora achou o de dentro bonito.
E o de dentro ensaiou um olhar sedutor, repetindo o que o de fora fazia. Gastaram nessa recíproca uns cinco minutos até que o de dentro sumiu no exato momento em que o de fora se afastou do espelho.
As duas ausências foram breves. Coisa de quarenta segundos, pouco menos ou pouco mais. É que o de fora voltou ao espelho para fazer aquilo a que havia se proposto na primeira vez que mirou o do lado de dentro, e por descuido deixou em aberto. Nada mais nada menos que fazer uma pergunta a si próprio, olhando-se enquanto conferia as narinas para checar se havia necessidade de aparar os pelos.
E qual era a pergunta mesmo? - o de fora perguntou para o de dentro. Seria aquela do espelho, espelho meu? - indagou o de dentro para o de fora. Ah, lembrei. Você escreveu sobre o Zé, o leão. Colocou-o por terra, deitou-lhe desprestígio. Aniquilou.
E isso foi dito com o dedo em riste apontado para o reflexo no espelho. Pareceu ensaiado e muito teatral. No que o do lado de dentro, como se imitasse o do lado de fora, ponderou que por justiça deveria dedicar mesmo espaço, mesmo tanto de pontos, igual quantidade de vírgulas e de exclamações para o texto da Zezona.
Esta sim seria uma leoa com mugido grosso e áspero. E o mugido foi justo. Coube para evitar repetição. Se o Zé rugia, a Zezona mugia. Tanto é que se elegeu a suprema, com direito a espaço considerável em programa de televisão, banheiro exclusivo, cirurgias plásticas e botox.
Foi então que o do lado de fora sumiu de vez. Bateu a porta do apartamento e desceu onze andares a pé. Lá longe, diante daquela vitrina, o do lado de dentro o esperava quando o do lado de fora parou para especular a etiqueta de preço de uma botina modelo sapatão. E um se perguntou ao outro: nos pés de quem será que isso cabe?
Que coisa de louco este texto...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

PARTICIPE: